Verdade ou mentira

A recente e ainda actual polémica sobre a Caixa Geral de Depósitos, bem mais que colocar na agenda dos dias a questão da honorabilidade da palavras dos homens e das instituições que representam, vem questionar o que é isto da verdade e da mentira.

Num resumo breve, em resultado do crescente relativismo do pensamento, é cada vez mais difundido que a verdade é apenas uma mentira que ainda não foi descoberta, da mesma maneira que a mentira é tão só uma verdade do passado, ultrapassada pelo tempo, e assim sucessivamente.

Desta forma, o que somos, pensamos, fazemos e afirmamos está de tal maneira desprovido de certeza e de absoluto que só pode sustentar-se numa intuição efémera de correcção que admite pacientemente vir a ser desmentida.

Porém, o anedótico de tudo isto é ser precisamente neste tempo de relatividade moral que mais se reclama o respaldo do absoluto da verdade e se protesta contra a vergonha de mentir. E mais, logo num domínio tão paradoxalmente evasivo de moralidade e de coerência como é o da política.

É de escangalhar o sério o espectáculo risível de ver políticos acusar outros políticos de não serem verdadeiros por não terem dito a verdade e, no limite, de a sua falta de verdade dever ser tributada com a demissão, por vergonha de carácter.

Sabemos que a primeira coisa de que a política prescinde é da memória e a primeira virtude de que os políticos se despem é da coerência, talvez por levarem muito a sério a máxima filosófica de finais do sec. XVII que sustentava ser a coerência uma virtude das pequenas inteligências. E daí que a verdade na política, bem como em muitos outros domínios da vida para sermos justos, coincida com o tempo em que se mantém um segredo suportado pelo interesse de não o desvendar.

Bem, o resto é a liberdade de cada um representar o papel que mais lhe convém nesta récita de enganos e desenganos, desde o do indignado ao justiceiro; do ingénuo ao lépido ou do pícaro ao tolo.

A história do teatro forneceu ao longo dos séculos todas estas personagens e discursos respectivos de rara qualidade. Mas o pior é que nem sequer é possível desafiar a que só os que nunca mentiram atirem a primeira pedra, porque, se eles só amanhã saberão que a sua verdade de hoje era mentira, decerto continuarão a atirar hoje todas as pedras com a convicção de o poderem fazer.

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