A arte como instrumento de evangelização (3)

Carlos Araújo
Professor no Colégio Nossa Senhora de Fátima – Leiria

Karol Wojtyla, futuro Papa João Paulo II, então Arcebispo de Cracóvia, na Semana Santa de 1962 num encontro com os homens da arte, afirmava que vincular o texto evangélico à arte poderá parecer estranho, uma vez que na leitura do Evangelho não encontramos afirmações diretas sobre a arte, o artista ou a criação artística. Todo o fundamento de Karol Wojtyla se funda, de facto, na identidade entre Bem e Beleza. Assim, no referido encontro, o Arcebispo de Cracóvia recorda o diálogo de Jesus com o jovem rico. Seguindo o pensamento de Platão, vislumbra ele em Deus a essência da Beleza. Deus é o Bem e a Beleza. Portanto, detém-se no fenómeno da fascinação que o Evangelho exerce sobre os artistas, ocultando-se nele um mistério impossível de compreender. Num segundo momento desse encontro Wojtyla centra-se na relação entre o Criador e o artista. O Evangelho vai totalmente em direção ao homem. Digamos que não é abstração. Não em direção da arte como abstração, mas a arte entendida como função do homem, como função da humanidade. Num terceiro momento, Wojtyla toma o tema da consciência como poderoso fator criativo. A consciência estabelece continuamente o valor da nossa pessoa, trabalha sobre a matéria-prima que há em nós, o que trazemos dentro. O futuro Papa continua abordando a procura de beleza, sobretudo da beleza na nossa vida quotidiana. No entanto, não se pode compreender, viver, prescindindo dos princípios da moral cristã. Deste modo, o homem, o artista, deve aspirar a ser beleza. Aqui, devemos frisar, a necessidade do papel da humanidade no caminho para alcançar a beleza. Neste sentido, Wojtyla dirige-se aos artistas ensinando sobre a importância da oração na vida do homem. Chega ele a afirmar que a oração é necessária para todo o homem, e quem sabe de modo particular para os artistas.
Mais tarde, já Papa, São João Paulo II, na Carta aos Artistas do ano jubilar de 2000, afirma que a Igreja precisa dos artistas para difundir o Evangelho. Digamos que a Igreja evangeliza em diálogo com a cultura de cada tempo. Assim, o Papa nessa carta afirma que «para transmitir a mensagem que Cristo lhe confiou, a Igreja tem necessidade da arte». De facto, «deve tornar perceptível e até o mais fascinante possível o mundo do espírito, do invisível, de Deus». E o Papa continua dizendo que «A Sagrada Escritura tornou-se, assim, uma espécie de “dicionário imenso” (P. Claudel) e de “atlas iconográfico” (M. Chagall), onde foram beber a cultura e a arte cristã. O próprio Antigo Testamento, interpretado à luz do Novo, revelou mananciais inexauríveis de inspiração». Assim, a Carta aos Artistas define em primeiro lugar o artista como «imagem de Deus Criador». De facto, é interessante quanto João Paulo II afirma sobre a conotação entre a esfera artística e a moral, entre a subjetividade da personalidade artística e a objetividade da obra realizada. Realmente, o tema do homem é central em todo o magistério de São João Paulo II, sendo imperiosamente este documento, um exemplo disso mesmo. Nesse sentido, é original e sugestiva a referência que ele faz ao afirmar que os artistas contribuem para o bem comum, prestanto um serviço social qualificado em benefício do bem comum.
Na carta em questão o Pontífice faz uma síntese histórica de algumas etapas significativas e alguns protagonistas da história da arte, que foram referências de uma fecunda aliança entre arte e o Evangelho. São de realçar os parágrafos 10-13, onde São João Paulo II, retomando o magistério de São Paulo VI e do Concílio Vaticano II, propõe um renovado diálogo, que só pode partir da afirmação de que «a Igreja precisa da arte» e da interrogação se «a arte precisa da Igreja?».
O documento conclui com um forte apelo aos artistas, chamados a ser responsáveis dos talentos recebidos: «A beleza, que transmitireis às gerações futuras, seja tal que avive nelas o assombro». O parágrafo conclusivo é um verdadeiro hino à beleza: «A beleza é chave do mistério e apelo ao transcendente. É convite a saborear a vida e a sonhar o futuro. Por isso, a beleza das coisas criadas não pode saciar e suscita aquela arcana saudade de Deus que um enamorado do belo, como S. Agostinho, soube interpretar com expressões incomparáveis: «Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei!».

Carlos Araújo
Professor no Colégio Nossa Senhora de Fátima – Leiria

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