O apagão do dia 28 do mês findo apanhou-me no centro de Lisboa, quase a ser atendido numa consulta médica. No meio da confusão geral, a nossa médica de família saiu do gabinete e veio à nossa procura. Consultou-nos ali mesmo, de pé, a mim e à minha mulher. Com ordem para toda a gente abandonar o edifício dos SAMS, lá conseguimos pegar no carro e encetar viagem. Para onde? Com tudo encerrado e um aglomerado imenso de carros, resolvemos regressar a Turquel. Pela rádio ouvimos o pandemónio que nos rodeava, com as principais artérias a abarrotar de viaturas. Como conhecia bem o local onde seguia, lá me fui esgueirando de forma a chegar ao início a autoestrada A-8, pois pela A-1 era impossível, com o Areeiro e a Rotunda do Relógio em paragem. Mesmo assim, foram duas horas para sair de Lisboa. Vem isto a propósito dos ânimos exaltados de muita gente a esbracejar devido aos inevitáveis toques/choques entre viaturas. Depois vim a saber das longas filas nos supermercados e dos açambarcamentos de muitas pessoas. Foi mesmo um açambarcar, açambarcar, vilanagem! Ao mesmo tempo que tudo isto acontecia, o martirizado povo ucraniano sofria os mais ignóbeis ataques que se podem imaginar.
Putin comporta-se como um criminoso sanguinário, sob a bênção de Donald Trump, que parece empenhado em negar tudo o que a América defendeu nos últimos 80 anos. Com efeito, até o Secretário de Estado Mike Pompeo, no primeiro mandato de Trump, afirmou, a propósito da anexação da Crimeia pelo Kremlin, que “nenhum país pode mudar as fronteiras de outro pela força.” Agora é o próprio Trump que advoga que a Crimeia faça parte da Rússia. O presidente americano não respeita ninguém nem respeita compromissos mas o povo ucraniano tem sabido resistir com estoicismo. É certo que muito tem sofrido e continua a sofrer, mas eles, os ucranianos, continuam a mostrar uma extraordinária coragem, o que provoca uma raiva surda a Putin e a Trump. É justamente neste ponto que gostaria de estabelecer uma comparação entre o sofrimento e a coragem dos ucranianos e os braços no ar e açambarcamentos dos portugueses no dia 28 de Abril. É certo que há povos e povos. Mas também há lições a reter dos acontecimentos que nos cercam.