Na minha juventude, tive um colega de estudos, no 5º ano (atual 9º) que alcunhei de “Misterioso”. Porquê? Para ele, quase tudo era mistério. “A vida é um mistério”, dizia, e continuava, apontando para braços, mãos, pernas e pés: “isto é o quê? Tu olhas para o espelho e vês uma cara, uns olhos, uma boca… o que é isso? Mistério!” Considerando a matéria de que somos feitos como sendo mistério, não andaria longe do conceito de espiritualidade, pois é aqui que todas as religiões e todos os iogas deste mundo se vão inspirar. Uma visão cristã de espiritualidade é-nos dada pelo cardeal José Tolentino Mendonça, a propósito do Pentecostes: “A grande transformação do Pentecostes é a oferta de um surpreendente horizonte de compreensão, uma abertura do olhar, uma reviravolta, uma nova chave de interpretação de nós mesmos e da história. Sem o Espírito Santo vemo-nos apenas pó, apenas barro, somos apenas o que se vê daqui, o que morre ali, todos os dias, a todas as horas.”
Ao ler Tolentino Mendonça, compreendo melhor as dúvidas e os mistérios do meu companheiro do 5º ano cujo nome não recordo, mas não importa, era o Misterioso. E compreendo sobretudo quando o cardeal acrescenta: “Sentimos que há uma materialidade na vida, no corpo que somos, na forma da nossa existência sobre este mundo.” No entanto, Tolentino Mendonça acrescenta algo que, provavelmente, terá escapado ao meu amigo Misterioso, e que é o seguinte: “Ao mesmo tempo, compreendemos que não somos só isso, somos também um sopro vital, um hálito, um mistério que excede as explicações fornecidas pela pura matéria. Somos também espírito. E é esta associação de planos que faz o milagre espantoso que é a vida. Ora, o sopro vital não é apenas o oxigénio de que precisamos para existir neste instante. O sopro vital é o Espírito Santo.”
A esta conclusão não era capaz de chegar o meu colega Misterioso. Nem ele, nem eu.