O Padre Zé

João Maurício
Professor de História aposentado

Chamava-se José António da Silva, mas o povo conhecia-o apenas como o Padre Zé. Nasceu na Benedita, em 1868. Um homem extraordinário, muito simples, que viveu num tempo complicado.
O momento mais difícil aconteceu em Alcanena, em 1915. Nessa altura, a terra ainda não era concelho. Pertencia ao município de Torres Novas. O movimento anticlerical era forte e, por razões várias, o Cardeal Patriarca mandou encerrar a igreja. Aparentemente, a situação ficou depois mais calma.
O vigário José António da Silva teve como missão reativar o templo. Foi muito mal recebido e, no dia seguinte, a igreja foi incendiada. O beneditense teve outros incómodos: acabou por ser expulso da sua casa paroquial, em Torres Novas. O Padre José António foi cura da Benedita, pároco de Évora de Alcobaça e responsável pelas duas paróquias da cidade de Torres Novas, durante mais de trinta anos. Entre 1938 e 1949, exerceu a missão de capelão da Misericórdia de Rio Maior. Nesse ano, por motivos de saúde, recolheu-se na sua casa da Benedita. Aí, transformou uma das salas numa capelinha, onde celebrava missa diariamente para vizinhos e amigos. Desde a primeira hora, acreditou em Fátima, tornando-se amigo do Cónego Formigão. O historiador D. Carlos Azevedo, nos seus livros, retrata o Padre José António como um grande divulgador das Aparições em terras torrejanas e refere a forma elegante como escrevia e destaca o seu fino sentido de humor. O Padre Frutuoso Matias era diretor do Semanário “Região de Rio Maior”, onde eu colaborava. Sempre ligado à comunicação social, dirigiu o jornal “Portas do Sol” da diocese de Santarém. Assumiu, já no século XXI, a função de pároco de Torres Novas e diretor do jornal/Semanário “O Almonda”, propriedade da igreja local. Tenho a certeza de que me iria facilitar a consulta dos arquivos de “O Almonda” e das paróquias torrejanas, onde encontraria, certamente, muitos detalhes sobre o Padre José António da Silva. Infelizmente, de súbito, o Padre Matias adoeceu e veio a falecer. Desfez-se o meu sonho. Mas, mesmo assim, por caminhos mais difíceis, encontrei outros dados. O Padre Zé foi dos poucos beneditenses que se opôs à construção da nova igreja da Benedita. O velho sacerdote sabia que, se a igreja velha fosse desativada, corria o risco de ser destruída, o que acabou por acontecer, perdendo-se, assim, um património histórico importante, com um portal gótico que, hoje, teria oitocentos anos. Como consequência dessa sua posição, alguns beneditenses, fizeram uma exposição contra o Padre Zé a um dos bispos auxiliares de Lisboa. Serei, eventualmente, a única pessoa que tem uma cópia deste documento. O que causa admiração é a lista dos signatários dessa denúncia.
A tudo isto, o velho sacerdote respondeu com a sua vincada bonomia. Era um homem tranquilo, justo e caridoso. Quando íamos para a escola primária víamos, muitas vezes, o Padre António José numa janela do primeiro andar da sua casa, observando quem passava, com o seu ar sempre sereno.
Faleceu em 1957, num frio dia de janeiro.

João Maurício
Professor de História aposentado

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