Património. Palcos da arte dos navalheiros – Jornadas do Património

Ainda conheci barracões onde se acomodavam algumas oficinas de navalheiros. Juntavam-se dois ou mais e repetiam gestos dos antepassados. Navalhas, canivetes, podões ou facas tudo era artesanal. A industrialização chegou após a eletrificação da Benedita nos anos 50 e a automatização mais recentemente.
Onde reviviam esses navalheiros as artes do fogo?
Sentiam-se à distância os fumos e os odores empestados dos chifres amolecidos para os cabos das navalhas, mas o cadenciado tilintar dos martelos malhando o aço deixava adivinhar a beleza das faíscas brilhantes saltando da bigorna! Que cenário tão especial num espaço tão pequeno onde artes antiquíssimas se representavam! ‘Rodas grandes envolvidas com uma corda faziam rodar um rebolo fixado num cocho para amolar as navalhas e facas. Carvão de pedra na ventoinha, rolos de aço e de ferro, materiais rijos se moldavam à força de braços fortes dos atores. E não esquecer o fole, que deitava o vento para atiçar o lume com carvão de pedra para forjar as lâminas das navalhas e facas e a pia com água para a têmpera e arrefecimento das mesmas’ recorda Luís Marques Colaço.
Numa ou noutra pausa, escutava-se fiozinho de água sobre a roda de pedra de amolar docemente as lâminas. ‘Saía do bojo de uma bilha de barro partida e vinha através de um pauzinho e que se aproveitava para não queimar o bioco’ conta-nos António Jorge do Casal da Marinha. Toda a família colaborava, crianças e mulheres grávidas e muitas até ao último dia…
Deve-se Luís Jorge o salto do artesanato para a industrialização do fabrico de cutelarias na região. Fundou a ICEL – Indústria de Cutelarias da Extremadura Limitada, na Ribafria, que em 1964 foi transferida para a Benedita e ainda hoje existe.
Segundo Maria Nicolau, sua afilhada, ele comprou a João de Sousa, a sua oficina em Alcobaça, e obteve dele contactos com cuteleiros de Guimarães. Também era ela, que na sua loja aviava aos navalheiros os materiais que Luís Jorge vendia ou trocava pela obra que faziam. Evitavam terem de se deslocar pelas feiras de bicicleta como António Inácio da Venda das Raparigas, ou como outros que iam na camioneta ao mercado de Alcobaça, à procura do seu público…
‘Quando era pequeno chorei tanto, tanto, tanto para o meu pai me comprar um canivete pequeno, que eu queria trazer preso por uma corrente ao bolso. Um dia, ele trouxe-me um, da Feira de Rio Maior… Até cresci!’ lembra-se Bertolino, numa fala pausada e sentida de profunda verdade. Estas artes também traziam o seu quê de lazer… Celebramos assim as famílias dos navalheiros sob o tema de Artes e Lazer das Jornadas Europeias do Património 2019.

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