Eu sou uma Estrada nascida no reinado de D. Maria I. Ligava Lisboa ao Porto. Com tanta idade sobrevivo apenas em alguns troços e sob camadas de alcatrão, como aqui na Asseiceira de Rio Maior. Mas, sei muitas histórias e até a de como surgiu aqui o Carnaval.
Agora desviam-me o trânsito, para que, com toda a segurança, passe o cortejo de mascarados, de todas as idades, dançando divertidos atrás dos carros enfeitados, acenando a amigos e conhecidos, amontoados nos estreitos passeios, que vêm aplaudi-los sem medo do frio. É uma grande festa!
Porém, vêm-me à ideia, memórias amargas de muitas mortes que presenciei. No início, quase nem havia casas, só a ermida de São Domingos de Gusmão (1628) atraía pessoas. Eu era chão empedrado, e tinha pontes sobre as ribeiras, onde azenhas moíam grão e as mulheres lavavam roupa ou apanhavam bracejo, como a mãe do menino Carlos Alberto, a quem Nossa Senhora apareceu em 1954. O trânsito de automóveis (?) era escasso: carros de bois, carroças, burros, gado e muita gente a pé, mesmo os homens de Alcobertas, pelo Natal iam caminhando, com centenas de perus, até Lisboa.
Após a construção da EN1, sobre mim (1960), um corrupio de trânsito encheu-me de muitas mortes. Vi um camião esmurrar-se por uma casa dentro. O dono escapou por pouco. Vi o casal Agreiro mudarem a porta da taberna à minha beira, para o caminho do lado. Vi uma velhinha sair de lá com a sua ciganinha de aguardente e morrer ao atravessar-me. Vi uma mãe com o seu menino pela mão, que morreu atropelado. Vi um resineiro ficar esmagado noutro acidente violento. Nesse dia o povo bloqueou-me. Em 24h o governo prometeu uma variante alternativa a mim. Quando ficou pronta, vi o casal Pinto, a divertirem-se. Foram os primeiros sobre mim a dançar! Foi a festa de um problema resolvido. Era tempo de Carnaval e a partir desse ano (1987) nunca mais deixou de se festejar na Asseiceira.
A Comissão de Melhoramentos encarrega-se da sua preparação, incluindo a escolha do Rei e da Rainha. Celebram, quem em mim morreu injustamente, e quem lutou para que essas mortes não se repetissem.