Fernando Salvador. Carta aberta

Nasci no dia 7 de fevereiro de 1927, no local mais calmo que se possa imaginar; no 4º andar da Ala Norte do Mosteiro da então vila de Alcobaça, com janelas para o velho mercado, e quando, em Lisboa, a revolução da mesma data agitava a capital. Há 90 anos portanto. Era um bebé rechonchudo e corado, como as saloias de então e fui apadrinhado pelo casal Tanqueiro. Ali estudei e dali só saí com dezoito anos, quando meu pai me transferiu para Lisboa, nas suas andanças de lecionar e pintar. E, como filho de peixe sabe nadar, fiz-me pintor e professor!

 

 

Tendo embora vivido sempre em Lisboa, mantinha algumas ligações à terra em que nascera, através do relacionamento com a família Tanqueiro, tendo até estado algum tempo em sua casa, durante a convalescença de grave doença que me afetou e dizimava a juventude de então.

 

De toda essa gente que me rodeou, quem resta hoje? Os meus irmãos, Luís e Jorge (este, também alcobacense) faleceram em 1988 e 1997, respetivamente; meus pais, em 1986; um dos meus dois filhos, em 2016; e assim por diante…

 
Sei que um dia, já próximo, chegará a minha vez e levarei comigo esta grande mágoa de não ter podido concretizar a última vontade de meu pai, que era ver a sua obra exposta num museu, que por minha sugestão, seria em Alcobaça, longe das guerrilhas «modernistas» que tudo devassaram e ocuparam, a partir da capital. Longe estava eu de pensar que a sua ação chegaria a todos os recantos do país e perduraria um século e meio, sempre «moderno» e «contemporâneo», ainda que por essa Europa os museus de Arte «Moderna» estejam às moscas, enquanto os de Arte Tradicional rompem pelas costuras!…

 
Mas isto tudo a que propósito? Que pode interessar aos munícipes, meus conterrâneos, e aos autarcas locais, a vida, os sonhos e as mágoas que assolam um velho de noventa anos? O que tem uma cidade, com tantos problemas de extrema importância por resolver, que preocupar-se com as extravagâncias pessoais ou as promessas feitas em família? Na verdade, nada tem!

 
Do último contacto que tive, por carta, com a Presidência Camarária, nem resposta obtive, o que não deixa de ser lógico e bastante elucidativo!
Mas vamos ao que interessa: como assinante já antigo do jornal O ALCOA, venho rogar a V. Excelência obséquio de publicar esta “carta aberta” e uma ou outra reprodução de quadros de minha autoria, para que o público fique conhecendo este pintor “bota de elástico” alcobacense, se achar algum interesse nisso. Nem que seja como forma de ilustrar o seu jornal…

 

Uma resposta

  1. Mereceria a pena atentar no pedido deste magnífico Pintor. A indiferença leva-nos ao isolamento de nós próprios e à consequente ignorância que vai atrasando cada vez mais o nosso País.
    Fernando Tordo

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