Incêndio. “A recuperação do pinhal de Leiria vai demorar 150 anos”

Foto por © DR

Já passaram quase 20 dias após o domingo infernal, que afetou a zona norte da região de Alcobaça e que varreu quase por completo o Pinhal do rei.
O ALCOA foi em busca de respostas junto do homem que estuda o Pinhal de Leiria há mais de quatro décadas. Gabriel Roldão, aos 82 anos, viu, da sua casa em São Pedro de Moel, acontecer o que vinha alertando junto dos vários organismos públicos: a catástrofe iminente no pinhal de Leiria.

 

O que falhou no incêndio da Mata Nacional de Leiria?
Muito sucintamente, a descapitalização do pinhal; o que deveria ter sido feito antes de acontecer o que aconteceu. Fazer o que habitualmente fazemos ao jardim da nossa casa: limpar a relva, cuidar das plantas, replantar flores. Trabalhos básicos de renovação, restauro e replantação deixaram de ser feitos, pelo Ministério da Agricultura e Florestas, através do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

Fala-se no ordenamento do pinhal. Estava ordenado ou não?
Estava ordenado, desde 1894, pelo trabalho de Bernardino Barros Gomes, o primeiro silvicultor português, que estudou silvicultura na Alemanha e que veio trabalhar para o pinhal de Leiria. Um homem extraordinário e dedicado, que conseguiu transmitir a forma de fazer uma exploração florestal num pinhal normal, de forma continua e equilibrada, sem afetar ecossistemas. Produzir madeiras continuamente, respeitando o percurso de crescimento de cada pinheiro, para ter uma exploração idêntica todos os anos. Isso foi feito e esse ordenamento existia e obrigatoriamente era refeito de acordo com as circunstâncias que havia. Os fogos não são de hoje. Havia fogos, cataclismos, vendavais, etc…e havia que repor, refazer esse ordenamento. Esse ordenamento era feito de 10 em 10 anos até hoje, portanto o ultimo ordenamento feito no pinhal de Leiria, que estabelece as regras fundamentais da sua exploração durante os próximos anos, foi feito há muito pouco tempo pela engenheira Rita Gomes. Entretanto pelo meio houve muitos ordenamentos. O pinhal de Leiria funcionou sempre como nenhum outro, provavelmente sobre a forma de um ordenamento permanente, contínuo e renovado.

E os reacendimentos?
Por ser uma exploração de carácter contínuo, quando se corta um pinheiro ficam os troncos enterrados, as raízes. Essas raízes não apodrecem muito facilmente porque é a zona do pinheiro que está mais carregada com resinas e portanto protegem a madeira. O que acontece é que, como tem uma grande concentração de resina, quando surge um fogo, esse tronco imediatamente começa a arder. E arde de uma forma estranha, curiosa. Mas, para quem anda nestas coisas, não tem nada de estranho: arde na vertical, até à infinidade da resina da raiz. Essa raiz vai ardendo paulatinamente e fica depois dois ou três meses a arder, depois do incêndio. Primeiro ardeu de cima para baixo. O que acontece é que, o calor emanado pela combustão faz secar as paredes laterais do sítio onde estava a raiz: está a fazer uma chaminé.

O que pensa que no futuro deva ser desenvolvido para recuperar o pinhal e das novas medidas anunciadas?
Isso aí é extraordinariamente complicado e ainda é cedo para falar do assunto. Não podemos contar provavelmente com as sapiências dos senhores que andam lá por cima a mandar nestas coisas. Muitas vezes não sabem rigorosamente nada disto. A recuperação de toda esta situação vai demorar muitas décadas, cerca de 150 anos. O que existe neste momento é ridiculamente pouco, ou seja o pinhal tinha 11 mil e 80 hectares. Desses ardeu a “bonita” (a triste?) soma de 9480 hectares. Sobraram 1600 hectares, e estes são compostos de arborização que nada tem a ver com o pinhal de Leiria: é arborização infestante (acácias e eucaliptos entre outros). Só tem alguma utilidade de caráter ecológico; porque de exploração ou de transformação em riqueza, é “zero negativo” (“é zero”?). Agora a recuperação, para ter o pinhal a funcionar em rotação continua, vai demorar muitas décadas. O pinhal é dividido em grandes quintais, que se chamam talhões, são mais de 340 talhões, que eram plantados à vez. Se admitir-se que um pinheiro demora, isto em termos de explorabilidade de um pinheiro bravo no pinhal de Leiria, entre 70 a 75 anos até estar pronto a ser cortado, significa que, para voltar a ter o pinhal a funcionar economicamente em rotatividade e perfeitamente ordenado e programado, vai demorar mais de 150 anos.

E a Mata Nacional do Valado?
Curiosamente, o pinhal nacional do Valado, que está sobre a jurisdição do departamento do ICNF da Marinha Grande, encontra-se confinado com o pinhal de Leiria da zona do concelho de Alcobaça, em Água de Madeiros; não sei se por uma questão de apetência dos terrenos do pinhal, mas a verdade é que esse está muito mais bem tratado do que estava o pinhal de Leiria, por isso não ardeu.

(Saiba mais na edição em papel e digital de 2 de novembro de 2017)

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