25 de Abril – o florescer de uma nova era

Cecília Franco Miguel
Professora Aposentada

No final de abril, a cidade estava envolta numa atmosfera de mudança. A revolução era muito recente, tinha acontecido no dia vinte e cinco, e, as pessoas eufóricas saíam à rua. O cravo no cano das armas dos militares, não simbolizava apenas a queda do regime autoritário, mas o florescer de uma nova era repleta de liberdade, esperança e oportunidades. Clara saiu da casa, onde estava hospedada, sem se aperceber que calçava um sapato diferente em cada pé. Enquanto caminhava automaticamente pelas ruas familiares da cidade, a sua mente vagueava por um labirinto de questões não resolvidas, que lhe afloravam o pensamento dos seus recentes dezoito anos. As pessoas, alheias à tempestade de ideias que a atormentava, juntavam-se na praça principal da cidade, para festejar a liberdade, mas Clara continuava imersa nos pensamentos que trazia consigo, não apenas, provocados pela transição para a vida adulta, mas também por uma enxurrada de conceitos e reflexões sobre o passado, o presente e o futuro. Ela ansiava por respostas que transcendessem as convenções sociais e os ideais políticos. Queria descobrir o significado de liberdade a um nível mais profundo, encontrar a trilha que a conduzisse à verdade sobre si mesma. As vozes da emoção e da razão debatiam-se na sua mente. A primeira lembrava-a da educação recebida e de como ela, por vezes, se chocava com algumas decisões racionais, a segunda convidava-a a seguir um caminho lógico e a prosseguir com os seus objetivos. A busca por identidade e propósito tornara-se um labirinto, onde cada decisão era uma bifurcação num caminho incerto. Clara, sentou-se num banco de jardim e, apercebendo-se finalmente da diferença no calçado que usava, sorriu consigo mesma, e pensou que os sapatos desiguais mostravam a história da dualidade de pensamento que a incomodava. Do lado esquerdo o sapato castanho, desgastado pelo uso do dia a dia, representava o peso da educação recebida, focada em valores tradicionais, restrita e moldada pelos interesses do Estado Novo, que colidia com os seus ideais e com o paradigma emergente no pós-revolução, que trazia consigo uma explosão de mudanças. Do lado direito o sapato domingueiro, preto e cuidado, refletia a parte de Clara, que procurava ordem, lógica e o anseio de se expressar sem medo de censura. O peso das escolhas e o desejo de não se perder na vastidão do futuro eram desafios que a atormentavam ao ponto de ter trocado o calçado. Levantou-se e decidiu enfrentar o seu labirinto interior com coragem, explorando cada caminho com a determinação de quem busca compreender seu próprio destino, e, sem se incomodar com a diferença visível nos seus pés, juntou-se às pessoas para festejar a liberdade. Afinal o cravo vermelho não era apenas uma flor, mas um símbolo do renascimento de uma juventude que florescia em liberdade, e Clara estava empenhada em moldar ativamente o curso do seu próprio destino. Agora, ela buscava a revolução pessoal que transformaria sua própria história e o eco da revolução continuaria a guiá-la.

Cecília Franco Miguel
Professora Aposentada

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