A Benedita na rota da Nazaré

João Luís Maurício
Professor de História aposentado

Setembro de 1912.

Naqueles tempos, que viram nascer a República, já nos meados de setembro, concluídas que estavam as vindimas, os lavradores do Ribatejo iam “gozar duas semanas junto ao mar”. Já lá vai mais de um século, e ir para a praia da Nazaré era um luxo não acessível a todos. O transporte era, claro, a carroça. Nalguns casos, o “veículo” era alugado a um vizinho ou conhecido. No curto espaço disponível, levavam objetos de cozinha, inclusive, pratos, tachos e panelas, entre outros. Não faltava o azeite e o pão cozido na véspera que durava uma semana. Depois, cozia- – se no forno comunitário da praia nazarena. Levavam, ainda, palha, fava e aveia para o animal.

Eram famílias dos concelhos de Azambuja. Passavam pela Marmeleira e Rio Maior. Era paragem obrigatória, onde almoçavam e alimentavam as mulas, no Olival da Senhora, na Benedita.

Vinham, também, de Santarém, Almeirim e do Cartaxo. A maioria das famílias ia à praia, outros iam aos banhos quentes, “tratar” do reumático”.

Chegavam à Nazaré, já o sol se punha. Os animais ficavam nas cocheiras, onde hoje é o mercado. As mulheres e as crianças por lá ficavam nas merecidas férias. Os homens permaneciam uma ou duas noites e regressavam às suas aldeias para tomarem conta da criação, fazerem a rega das hortas e outros serviços agrícolas de rotina. Passados quinze dias voltavam à Nazaré. Ficavam na praia um ou dois dias.

Terminadas as férias, era tudo arrumado na carroça para a viagem de regresso a casa. Lá partiam numa marcha lenta.

A paragem na Benedita para o almoço era ponto assente. Tinha lugar no olival, onde hoje é a Igreja Nova. Fazia parte do ritual que se repetia ano após ano.

A época era, ainda, de muito calor. A vindima era antecipada e aproveitavam as festas da Nazaré, com direito a irem ver a tourada.

Junto às estradas, eram muitos os que se sentavam na soleira das portas, à tardinha, para verem aquele movimento “rodoviário”, nomeadamente no Casal da Estrada.

Num tempo em que a monotonia era grande, ver passar toda aquela agitação, era sinónimo de alegria, que se estendia aos concelhos vizinhos.

Em Rio Maior, o republicano António Gomes de Sousa Varela, administrador do Concelho, após um jantar, era vê-lo, também, a ver passar aquela azáfama desusada de carroças, rumo a Santarém, de regresso da praia nazarena. Estava sempre acompanhado de António Custódio, correspondente dos matutinos lisboetas, nomeadamente “O Século”.

Como a vida era diferente!

João Luís Maurício
Professor de História aposentado

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