Cistermúsica reabriu fronteiras

José Alberto Vasco
Escritor

Embora pela perspetiva do espetáculo de dança, a música culta contemporânea legitimou-se desde o início do Cistermúsica como uma das suas imagens de marca. Logo nas primeiras edições a CDC trouxe aos seus palcos a música de vultos como Philip Glass, Meredith Monk ou Arvo Pärt, bem como a pop de vanguarda dos Dead Can Dance ou até mesmo Joe Satriani, tendo atingido os píncaros quando na sua edição de 1993 o Festival de Música de Alcobaça honrou o seu público com um sugestivo concerto do Miso Ensemble. Essa visão programática foi-se reduzindo nas suas edições seguintes, incluindo a época em que a direção artística de Alexandre Delgado elevou o festival ao circuito dos melhores do género a nível nacional. Essa conjuntura foi adequadamente torneada em 2023 pelo Cistermúsica, em virtude de a sua bem conseguida opção de prolongamento da sua temporada de concertos ao longo do ano ter ilustrado a distintiva ideia de fundar um novo ciclo, em que sob o título Fronteiras se deu especial atenção à música culta contemporânea. O concerto inaugural desse ciclo trouxe até ao palco do nosso cineteatro o Capdeville Ensemble, tendo-se o mesmo enaltecido por facultar o regresso a Alcobaça da música de Constança Capdeville, 48 anos após um seu histórico concerto na então vila, em que participou também como solista o tenor alcobacense Fernando Serafim. Contudo, o maior destaque do concerto acabou por ser a estreia em Alcobaça da produção musical das jovens compositoras Ana Seara e Ângela da Ponte, tendo esta última seduzido especialmente os nossos ouvidos e o nosso sentir através da sua sofisticada e congruente composição Ao Desconcerto do Mundo, que nos revelou estarmos perante um inestimável talento da nossa música culta contemporânea. O ciclo voltou a brilhar na semana seguinte, agora na sacristia manuelina do Mosteiro de Alcobaça e através de um surpreendente concerto em que o ensemble de música antiga Os Músicos do Tejo se apresentou tendo como convidado o douto flautista e compositor indiano Shashank Subramanyam, deliciando-nos com um aliciante programa em que se aliaram a música barroca francesa, a música clássica indiana e a música culta contemporânea finlandesa, neste último caso com o intenso e eloquente Sprezzatura a revelar-nos a categórica dimensão inventiva do pianista e compositor Eero Hämeenniemi, permitindo ainda espaço para um bendito encore em que foi consagrada a edificante identidade criativa do nosso José Afonso. Aguarda-se que o Cistermúsica mantenha em 2024 este seu ditoso reabrir de fronteiras!

José Alberto Vasco
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