Coisas do antigamente

Fleming de Oliveira
Advogado

Um dia destes, a minha neta mais velha ficou muito admirada e sem perceber quando a mãe lhe disse que “a faca estava romba e precisava de ir ao amola-tesouras”.
Como não é desse tempo e nunca viu nenhum, a minha filha disse-lhe para me perguntar, pois “o avô sabe um pouco de tudo”.
Ora bem, para ela e outros que não são desse tempo, aqui vai a informação.
Era um tempo em que os amola-tesouras – alguns de origem galega, sobreviventes e refugiados da guerra civil – iam pelas aldeias, mas não só, montados numa bicicleta ferrugenta, utilizando uma gaita que fazia um som característico que os identificava e chamava as pessoas. O amola-tesouras arranjava o que a pobre gente necessitava para dar ainda vida a objetos gastos pelo uso, facas e tesouras rombas, guarda-chuvas carecendo de varetas, tachos e panelas com buracos, alguidares e cântaros partidos. Para isso, usavam uma roda esmeril que suficientemente rija, amolava o aço e fazia soltar pequenas faíscas do rebolo. A retribuição nas aldeias era, por vezes, em géneros alimentares, carne curada no fumo ou no sal, azeite, batatas ou vinho mas do barato. Raramente pediam dormida.
Preso ao guiador, estava um corno com água para molhar as facas e as tesouras, mas também, dizia-se, para dar sorte.
Por mistério ou pura coincidência, nesse dia ou no dia seguinte chovia. Quando se ouvia aquele som, dizia-se que era sinal de chuva, talvez porque estes homens consertavam as varetas dos chapéus-de-chuva.
Atrás da bicicleta, uma caixa de madeira com ferramentas, e um chapéu-de-chuva quase sem pano lembravam que também sabiam consertar chapéus. “Vai chover, anda p’raí o amola tsoras”, trabalhador que a modernidade condenou à extinção e ao esquecimento, mas a recordação perdura, pelo menos aqui para a minha neta e leitores com a sua idade.
Também não conheceram as mulheres que lavavam para fora.
Chegadas ao rio, mergulhavam as peças de roupa na água para as ensaboarem com sabão azul, baterem e enxaguarem, preparando a barrela. Enquanto lavavam, punham a conversa em dia e cantavam, por vezes, ao desafio. A roupa após corar estendida junto ao rio, secava ao ar livre se o tempo o permitia, ou nas casas das lavadeiras. Faziam-se trouxas enormes, colocando as peças sobre enormes lençóis brancos, atavam-nos em cima, colocavam-nas à cabeça e assim as transportavam até às freguesas, sendo raro faltar uma peça no rol.
Em Alcobaça havia lavadeiras em Chiqueda, mas em casa do meu sogro, a roupa ia semanalmente para as lavadeiras de Alpedriz, que trabalhavam no rio onde atualmente há uma apelidada praia fluvial, e tinham os respetivos lugares definidos para não haver confusões. As lavadeiras do norte do concelho eram em geral de Picamilho e iam a a casa das freguesas buscar a roupa, como recorda, não obstante os 90 anos, Isaltina Rodrigues.

Fleming de Oliveira
Advogado

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