Há 230 anos, em França

José Maria André
Professor do I. S. Técnico

O celibato e o casamento têm uma longa tradição na Igreja católica. O próprio Cristo não se casou mas nasceu numa família e abençoou o casamento. Ainda hoje, a Igreja considera o matrimónio como sacramento instituído por Cristo. Por outro lado, abundam os exemplos de pessoas solteiras desde os primeiros tempos do cristianismo e a Bíblia, sobretudo o Novo Testamento, sublinha o valor desta escolha de vida. A opção pelo celibato dá-se em muitas circunstâncias, não é só coisa de padres, embora ultimamente os jornais contestem sobretudo a antiquíssima norma de a Igreja latina escolher o clero entre aqueles que receberam de Deus o dom do celibato. Esta decisão, surpreendente para algumas pessoas, foi tomada nos primeiros anos do cristianismo, referendada por sucessivos concílios e mantida até hoje. A Igreja católica considera que tomou esta opção inspirada do Espírito Santo. O assunto voltou a ser estudado muitas vezes ao longo dos vinte séculos de história da Igreja. Cada época se perguntou se ainda se justificava. A resposta, foi sempre manter a escolha, com o convencimento de que o Espírito Santo guiava a Igreja na decisão.

Curiosamente, os inimigos da Igreja empenharam-se muitas vezes em acabar com o celibato dos padres. Em particular, durante a Revolução Francesa não se pouparam a esforços. Ainda antes, ao longo do século XVIII, promoveu-se em França a literatura acerca da vantagem do casamento dos padres e do perigo de eles não se casarem. Se algum padre abandonava o sacerdócio e se casava, os revolucionários louvavam-no como um grande intelectual e um grande teólogo e chegou o tempo em que, se algum padre defendia o celibato sacerdotal, era condenado à prisão e torturado. Com a Revolução, as leis contra Igreja sucederam-se: aboliram-se os chamados “privilégios do clero” e as suas fontes de rendimento, confiscaram-se as propriedades da Igreja, decretou-se a “secularização” das ordens religiosas (o nome dado à sua extinção), criou-se uma igreja nova, separada de Roma, perseguindo os cristãos, padres ou leigos, que não se desligassem da Igreja católica. Até que, num momento posterior, se perseguiram também os que se tinham desligado da Igreja mas ainda se consideravam cristãos.
A lista das leis hostis é longa, mas o resultado resume-se em que muitos católicos foram mortos à guilhotina ou por outros processos e muitos foram deportados para ilhas longínquas ou encarcerados em campos de concentração, onde vigorava uma crueldade semelhante à dos campos de extermínio nazis ou comunistas. Enquanto a fidelidade de um padre a Roma, ou o não se casar, eram severamente punidos, um decreto da Convenção Nacional da República Francesa de 1793, há 230 anos, estabelecia que bastava uma só coisa, uma coisinha apenas, para garantir a um padre o perdão de todos os seus crimes: que ele aceitasse casar.
Um dos objetivos centrais do combate à religião consistia em obrigar os padres a casarem-se. A insistência não bastou, nem o incentivo de receber uma pensão vitalícia se se casassem. Foi necessária a condenação à morte, a prisão e a deportação. Nove bispos afastaram-se da Igreja e depois casaram e vários milhares de padres cederam, por vezes simulando um casamento com uma senhora de idade avançada. Cerca de metade dos padres que cederam eram ex-religiosos e muitos eram professores e eruditos. Assim como a Igreja considera que a decisão de escolher os padres entre pessoas que receberam o dom do celibato foi, ao longo dos séculos, inspirada pelo Espírito Santo, de onde virá a inspiração dos que se assanham contra esta decisão da Igreja?
O historiador Carlo Pioppi, de onde tirei grande parte das informações acima (em particular de um capítulo que escreveu para o livro “Il Celibato Sacerdotale, Teologia e Vita”, organizado por Laurent Touze e Marcos Arroyo), pergunta-se “se os católicos não devem aprender (…) com as ideias e as ações aqueles que se declararam seus inimigos acérrimos. Se eles pensavam que era tão importante a luta contra o celibato, para conseguirem a descristianização, poderemos considerar que o celibato sacerdotal é um bem precioso, que é preciso defender e conservar, para levar a cabo a nova evangelização da sociedade”. É por perceber isto que o Papa Francisco não altera a norma do celibato sacerdotal.

José Maria André
Professor do I. S. Técnico

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