O enólogo Rodrigo Martins, a trabalhar em Alcobaça há 12 anos, é atualmente o responsável pelos vinhos da Adega Cooperativa de Alcobaça e de vários vinhos medalhados da região e do país. O ALCOA esteve à conversa com o enólogo, que fez um balanço do trabalho já realizado.
PERFIL
Nome: Rodrigo Alexandre Simão Martins
Data de nascimento: 20 de agosto de 1979
Naturalidade: Caldas da Rainha
Grau Académico: Licenciatura em Agronomia, no Instituto Superior de Agronomia (ISA) e Mestrado em Viticultura e Enologia, numa parceria entre o ISA e a Faculdade de Ciências do Porto
Profissão: Enólogo
O que é para si um bom vinho?
Esta é uma pergunta muito subjetiva dado que o nosso grau de conhecimento influencia muito a nossa opinião em relação ao vinho ou a outra coisa qualquer. Acima de tudo tem que ser uma bebida que nos dê prazer e que, de preferência nos provoque boas sensações. E dentro desta apreciação genérica, depois há muitos perfis específicos para os críticos que são muito apreciados por mim. Genericamente, atualmente os vinhos brancos, que nós chamamos de mais frescos, com mais acidez natural é uma das razões pela qual eu gosto dos vinhos brancos aqui da região. São vinhos com mais influência marítima. Está a haver uma mudança, no que diz respeito aos vinhos tintos. Antigamente o que era apreciado era vinhos com muito grau alcoólico, muitos taninos, muito pesados e atualmente o consumo está a apontar para vinhos mais elegantes e também mais frescos. Os vinhos brancos e tintos da nossa região começam finalmente a dar cartas nessa perspetiva de vinhos mais elegantes, mais frescos, menos poderosos do ponto de vista tânico e atualmente é também o estilo de vinho que eu mais gosto.
Os vinhos da região estão a chegar a esse patamar?
Sem dúvida. Há cerca de dez anos atrás, quando trabalhava na Associação de Agricultores de Alcobaça, organizamos, salvo erro, a primeira feira agrícola e fizemos umas Jornadas Técnicas de Viticultura e para espanto de muitos conseguimos encher aqui o auditório da Adega Cooperativa de Alcobaça, que fizemos cá, dado que ninguém sabia ou toda a gente achava que a viticultura e a enologia aqui na região estava completamente morta. Já na altura defendia que, com o trabalho bem feito do ponto de vista da escolha das castas, as mais bem adaptadas à região, com os exporta-enxertos e com uma boa viticultura, facilmente nós chegaríamos ao nível de outras regiões, acreditando inclusivamente que no futuro, dadas as condições naturais, teríamos condições naturais melhores que as regiões mais conhecidas em Portugal, como o Alentejo, o Douro, inclusivamente também porque, com estas alterações climáticas que se têm vindo a assistir nos últimos anos, essas regiões começam a ter problemas graves de excesso de calor, ou falta de água. Nós aqui, como temos muita influência do Oceano Atlântico, ainda não sentimos qualquer problema a nível de viticultura e os nossos vinhos estão cada vez melhores à conta dessas alterações, quer do clima, quer do que se fez nos últimos dez anos a nível da escolha de castas bem adaptadas e acima de tudo também exporta-enxertos também bem adaptados aqui à nossa região.
Quais as características predominantes nos vinhos desta região?
Quer em brancos, quer em tintos, há aqui dois parâmetros muito comuns que é o que dominam a região, que são os solos argilo-calcários, que transmitem um determinado tipo de características às uvas, que depois passam para os vinhos e em segundo lugar, a influência, a proximidade do mar, que faz com que seja um clima muito temperado e que haja muitas oscilações de temperaturas, dias amenos a quentes e noites frias e húmidas, isto faz com que alguns parâmetros muito importantes para a qualidade das uvas e do vinho, nomeadamente a parte da cor e os aromas das uvas se desenvolvam de forma natural, de forma mais vincada do que algumas regiões mais quentes onde as condições naturais não são tão fáceis de trabalhar.
Em que zonas é que fazes o teu trabalho de enólogo?
Atualmente estou a trabalhar na zona do Douro Superior, perto de Foz Côa, em duas quintas. É aqui nesta região que faço boa parte do meu trabalho, Adega de Alcobaça, Quinta dos Capuchos, tenho agora também um projeto pessoal nos Montes. Na região Tejo, comecei há cerca de três anos, com o produtor João Barbosa, trabalho com dois produtores pequenos, na zona de Rio Maior, qua já faz parte da região Tejo e depois tenho também dois projetos novos na região de Lisboa, que há três ou quatros anos atrás se chamava Estremadura e foi alterado o nome com o objetivo que as pessoas, principalmente o público estrangeiro, reconheça essa região porque esse nome levava a confusão uma vez que já há a Estremadura de Espanha. Era uma região conotada com vinhos de má qualidade e a CCDR, em parceria com a Vinha de Portugal, propuseram a alteração que foi aceite e bem aceite e espero que Portugal tire partido disso. Trabalho com um produtor novo no Bombarral que é a Quinta Várzea na Pedra e com outro produtor novo em Torres Vedras, que é a Quinta da Boa Esperança. Estes são os produtores na região de Lisboa. Depois também tenho um outro projeto no Alentejo, que é a Herdade das Fontes Bárbaros, Castro Verde, onde já faço os vinhos de lá há seis anos.
Quais as principais diferenças entre estas zonas?
Exatamente aquilo que já disse: solos completamente distintos. Quer no Douro, quer no Alentejo o que domina são os solos à base de xisto, com a grande diferença de que o xisto no Douro tem inclinação vertical, o que permite que as raízes penetrem entrem as folhas de xisto em profundidade e no Alentejo, o xisto tem uma orientação horizontal ou ligeiramente oblíqua, o que faz com que as raízes naturalmente não consigam penetrar entre as folhas de xisto e temos que fazer um trabalho de penetração no solo, no xisto, para que a penetração seja mais intensa e para que consigamos obter solo para as raízes se desenvolverem. Acima de tudo a grande semelhança entre o Douro Superior e o Alentejo são as altas temperaturas e muito baixa humidade relativa, semanas consecutivas com temperaturas a 40 graus e com humidade relativa abaixo de 30%. Na nossa região, quer aqui, quer no produtor do Tejo, Rio Maior, apesar de ser no limite, sofre muita influência do Tejo. Eu diria que nos extremos, Douro e Alentejo, aqui na região os argilo-calcários, em termos de solos e a própria influência do mar são os fatores que mais influenciam e distinguem as regiões entre si.
Que diferenças encontras na forma como se produzia vinho no passado e a forma como se produz atualmente?
Foi em Alcobaça, em 2004, que eu comecei a trabalhar na vinha. Defendi a minha tese de engenheiro agrónomo em fevereiro e em fevereiro comecei a trabalhar, em Alcobaça, em 2004 e de imediato comecei a trabalhar nas vinhas de alguns produtores cá de Alcobaça e essencialmente de produtores que tinham recomeçado esta reconversão da viticultura, nomeadamente a Quinta dos Capuchos, comecei de imediato como consultor técnico na parte da viticultura e com o produtor onde tenho atualmente o meu projeto pessoal, nos Montes, também comecei a trabalhar com ele a dar apoio técnico e também com outros produtores que nós na Associação de Agricultores conseguimos angariar para o nosso departamento, para nós acompanharmos. É tudo completamente diferente daquilo que conheço em termos históricos, pelo que me contam e pelo que leio e as grandes diferenças são essencialmente a nível da escolha das castas e principalmente dos porta-enxertos. Aqui na região usava-se a tradição porta-enxertos muito vigorosos porque o objetivo era produzir muitos quilos, muitas toneladas por hectar uma vez que quase toda a gente entregava as uvas na adega cooperativa, e a forma de pagamento da adega cooperativa era com base no grau e compensava muito mais ter muitos mais quilos com menos grau do que o inverso. Então toda a gente apostou em castas em que o objetivo era produzir muitos quilos e os porta-enxertos permitiam também que essas castas produzissem muitos quilos. Em 2004 começou-se uma pequena revolução aqui na parte da viticultura, principalmente com a escolha de castas, quer típicas da região, quer castas, que nós consideramos castas melhoradoras, castas que não são nossas, castas francesas. Por exemplo nos tintos, introduzimos casta Syrah, que é talvez a casta tinta não portuguesa que talvez tenha maior importância aqui na região atualmente. E depois nos brancos começámos a utilizar Sauvignon Blanc, ou Chardonnay e isso fez com que assim que passássemos a vitificar estas uvas, também com algumas melhorias em tecnológicas nas adegas novas que foram sendo feitas, que a qualidade do vinho fosse de imediato completamente diferente. Eu acho que em 2008 foi a primeira vez que eu vitifiquei uvas produzidas aqui em Alcobaça, na Quinta dos Capuchos, foi o primeiro ano que fizemos o vinho Memória e desde logo foi aceite por todos como um vinho completamente diferente do que era hábito, muito bem aceite pelos consumidores e associado a um vinho de qualidade. Essencialmente prende-se com as alterações que fizemos na vinha e com a escolha de castas mais bem adaptadas, redução das produções que eram muito elevadas e a escolha de porta-enxertos, que permitiram realmente que as castas pudessem ser colhidas realmente para fazer bom vinho.
E a nível de armazenamento?
A nível de armazenamento eu diria que a casa onde a mudança foi mais notória foi a Adega Cooperativa de Alcobaça, onde até há pouco tempo ainda usavam umas cubas de ferro, quer para fermentar, quer para armazenar vinho e com todos os problemas associados a isso, por muita manutenção que fosse feita, havia sempre partes do vinho em contacto com o ferro, o que fazia com que os vinhos se tornassem mais instáveis e que pudessem sofrer alterações do ponto de vista físico-químico, que não eram agradáveis e faziam com que a adega tivesse que vender de forma muito célere o seu vinho, às vezes em períodos em que o mercado não estava tão apetecível e não conseguíamos valorizar tanto. Este ano pela primeira vez, a campanha de 2016 vai ser a primeira em que não vai haver qualquer tipo de contacto com ferro. Temos uma bateria nova de cubas todas em inox, adquiridas recentemente pela adega e começámos esta alteração profunda, que também foi feita noutras adegas mais pequenas como a Quinta dos Capuchos e na Adega dos Montes, que é o meu projeto pessoal, onde tudo o que eram os grandes depósitos de cimento, não é que o cimento seja mau para armazenamento, antes pelo contrário, em termos térmicos, é melhor do que o inox, mas o cimento tem que ter algumas condições especiais, nomeadamente o revestimento, que tem que ser uma cera, com um composto que se chama Epoxy, para que não haja contacto entre o cimento e o vinho, que por norma provoca alguns problemas em termos de características do vinho. O mais importante diria que foi a transformação dos grandes volumes de armazenamento para pequenos volumes, que nos permitem armazenar os vinhos por casta, por parcela, o que nos permite fazer lotes que é aquilo que nós entendemos que é o melhor para cada tipologia de vinho.
Isto faz diferenças absolutas no produto final. A nível microbiológico os vinhos são muito mais estáveis, o que permite estarem muito mais anos, quer neste tipo de depósitos quer depois na garrafa dado que previamente estão estáveis do ponto de vista microbiológico e isso diria que é a parte mais importante, é a principal premissa para a qualidade do vinho é que a parte microbiológica esteja garantida. A partir daí, cada vinho tem as suas características, em cada lote é por nós definido um perfil de vinho, mas se a parte microbiológica não estiver garantida, corremos sérios riscos depois à posteriori, já no produto final, já em garrafa ou bag in box, que faz com que hajam alterações que depois o consumidor não vai aceitar.
Existe uma fórmula/receita específicas para o vinho, nomeadamente para aquele que já tens medalhados?
Acima de tudo, quando definimos um lote, há uma marca e essa marca tem definidas as características que entram para essa marca, quais as percentagens de cada casta que entram nessa marca, mas não há receita porque cada ano é um ano e diria que nos últimos cinco anos, tivemos anos tão diferentes uns dos outros, que não dá para fazer uma média. O ano de 2010 foi um ano em que o fator elegância foi o denominador comum, 2011 talvez tenha sido o melhor ano de tintos aqui na região, o ano 2012 já foi mais complicado em termos de tintos, mas houve muito bons brancos. Começou a chover cedo e para algumas castas tintas mais tardias isso foi um problema, 2013 e 2014 anos muito maus para vinhos tintos aqui na região e 2015 voltámos ao patamar de 2011, a qualidade foi muito grande e isso faz com que por muito que nós queiramos manter as coisas mais ou menos uniformes, que para nós em termos de trabalho, também nos dá alguma estabilidade, a qualidade inicial é o que manda sempre e se tivermos que colocar mais cinco ou dez por cento de uma casta e, no sentido inverso, ter que tirar cinco ou dez por cento de outra, não há problema, não há nada que nos obrigue. Há um perfil, que nós queremos respeitar dado que a única forma que temos de fidelizar uma marca é manter o mais próximo possível de uma colheita para a outra e sempre o melhor possível. Se alterarmos muito, automaticamente o consumidor deixa de reconhecer o vinho e a partir daí deixa de beber essa marca e nós não queremos que isso aconteça. É muito difícil no mundo dos vinhos conseguir que as pessoas se fidelizem a uma marca e quando isso é conseguido, há que manter o máximo possível e esta é a tal implicação, mas nunca com receitas predefinidas. Há um conceito base predefinido para aquele tipo de vinho, mas que é alterado consoante a qualidade das uvas.
Como é que se prevê que seja o vinho de 2016?
Já começámos a campanha de 2016, aqui na região estamos a terminar os brancos e a começar os tintos e pelo que tenho acompanhado, nos brancos já feitos, em termos de controlo de maturação e prova de bagos e uvas nas vinhas, acredito que será um bom ano para brancos, não será um ano de exceção para brancos, mas será um ano de boa qualidade. E acredito que será talvez o melhor ano de sempre para tintos e isto prende-se com o facto de ter havido problemas muito graves até aos meses de maio, junho, quando choveu quase de forma consecutiva e alguns produtores não conseguiram controlar algumas doenças, particularmente a míldio e com problemas graves em termos de quebras de produção, mas a partir de junho deixou de chover e nunca mais choveu, só recentemente um ou dois dias, o que foi excelente em termos de efeito da vinha, o que faz com que a quantidade de uvas e de potencial é mais baixo, mas as condições são tão boas atualmente e as previsões é que continue o tempo quente e seco e antevê-se uma colheita de tintos de qualidade excecional.
A que se deve o reconhecimento dos vinhos da região?
Deve-se a um trabalho de muita gente e a um trabalho do setor. Passados estes 12 anos desde que estou em Alcobaça, acho que finalmente podemos falar de um setor de vinhos em Alcobaça. Há cerca de quatro ou cinco anos atrás, o único produtor de referência aqui da região era e é a Quinta dos Capuchos, mas estava mais isolada era quase que como um oásis no meio do deserto. Felizmente que, particularmente aqui a Adega Cooperativa também conseguiu para alguns vinhos o reconhecimento nacional e, inclusivamente no vinho branco de 2014, o reconhecimento internacional com uma medalha de ouro e isso fez mudar muita coisa, e acima de tudo fez mudar a perceção dos nossos clientes, particularmente os clientes aqui da região de Alcobaça, que são sempre os mais séticos em relação ao seu próprio produto e atualmente acredito que há muita gente que não bebia vinho da adega de Alcobaça, por ser o vinho de uma adega cooperativa, por puro preconceito, e que atualmente, à custa de um reconhecimento internacional, tiveram curiosidade em provar e reconhecem que o vinho tem muito mais qualidade. E acima de tudo o setor é feito por toda a gente, quem trabalha na vinha, quem trabalha nas adegas, quem trabalha nas lojas, quem trabalha na parte comercial, o verdadeiro setor só é forte quando a fileira está completa. Há muito trabalho pela frente, são bem-vindas muito mais empresas e muito mais agricultores aqui na região. O futuro só pode ser risonho caso as pessoas continuem a acreditar que temos um potencial muito grande. Eu diria que esta é a região onde o nível de fruticultura viticultura é o melhor. Temos solos e condições ótimas para fazer as melhores maçãs e as melhores peras de Portugal, mas também temos terrenos, encostas principalmente, onde podemos fazer as melhores uvas brancas e tintas. Eu diria que pode haver aqui um equilíbrio e que esse equilíbrio é benéfico para todos.
A nível internacional o vinho português já começa a ter um lugar?
Sim, cada vez mais. Te sido feito um trabalho muito forte quer dos setores vitivinícolas das regiões, quer, principalmente também de uma entidade que se chama Vinha de Portugal na promoção dos vinhos de Portugal fora do país. E os produtores tiveram que arregaçar as mangas e começar a participar em tudo o que era certames de vinhos, feiras de vinhos e provas de vinhos a nível internacional dado que havia uma necessidade muito grande de vender com volumes significativos a preços interessantes. A exportação é o melhor caminho. Fizeram-se fortes investimentos na parte do marketing, na parte comercial e hoje em dia diria que, o melhor exemplo que tivemos foi há dois anos atrás uma revista americana, que é a principal revista do setor dos vinhos a nível mundial e conseguimos ter quatro vinhos portugueses no top 10. Só esta notícia valeu mais do que muitos anos de trabalho das associações que falei anteriormente, mas que é um sinal e um click para o mundo e que veio ajudar de sobremaneira todo este trabalho muito moroso e muito árduo que é feito por todos os produtores e eu, desde há seis anos atrás faço parte de um júri de um concurso de vinhos em Londres, o International Wine Chalenge e lembro-me perfeitamente de outros concursos, quando íamos para uma mesa provar vinhos de Portugal, a maior parte dos provadores torcia o nariz e dizia coisas menos abonatórias à cerca dos vinhos portugueses. Hoje em dia, assim que se fala em prova de vinhos portugueses há uma festa porque reconhecem que a qualidade dos vinhos portugueses, particularmente os vinhos brancos cresceu de forma exponencial e atualmente somos associados a uma país de pequena produção mas de muita qualidade. Isso é claramente um grande potencial para nós.
Que dificuldades enfrenta o setor?
A parte da nossa dimensão. A parte do minifúndio, é difícil em termos económicos e financeiros. Com parcelas com áreas tão pequenas justificava alguns investimentos, fazer uma adega de raiz é bastante caro, mesmo que não se pense em tecnologia de topo, mas é caro e acima de tudo, continuamos a sofrer uma fortíssima pressão de vinho que vem, principalmente de Espanha muito muito barato, que concorre com o nosso vinho nacional e isso faz com que o preço a nível do mercado interno seja sempre muito baixo e qualquer viticultor, que não transforme as uvas em vinho, que tenha que viver só das uvas que vende, ou que venda só o vinho a granel tem muitas dificuldades dado que o bom vinho é controlado pelos grandes armazenistas e esses quase sempre satisfazem muitas das suas necessidades com vinho não português e isso é péssimo para o nosso setor. Eu diria que a melhor forma de fugirmos a este tipo de depressão é realmente termos produtos diferenciados de qualidade que o consigamos vender bem, quer em Portugal, quer no mercado externo. O mundo é muito grande, os consumidores a nível mundial são muitos e grandes e garantidamente que não há quantidade de vinho português suficiente para chegar a todo o mundo. Saibamos nós chegar aos locais corretos, que esse deixa de ser um problema para nós. Claro que é um processo longo, que exige muito investimento financeiro e pessoal, em termos de tempo e há muitos produtores que não conseguem ter essa disponibilidade, mas diria que apostar de forma absoluta na qualidade, na diferenciação pela qualidade, pela imagem e acredito que mais cedo ou mais tarde as pessoas vão conseguir e vão ver que a atividade dos vinhos é uma atividade efetivamente muito viável. Isso é também um desafio e é preciso que as pessoas tenham coragem e de não desistirem dado que os resultados raramente são a curto prazo. Há uma série de produtores que dizem que estiveram à beira de desistir até que apareceu a tal primeira encomenda do importador e que a partir daí as coisas começaram a rolar de forma tão natural, que hoje em dia há produtores que não têm stock de vinho suficiente para a quantidade de vinho que vendem. Havia produtores que tiveram no limiar de desistir dado que o trabalho de marketing, apresentação de produto e tudo isso, é muito caro. Comprar um bilhete de avião, uma estadia num hotel, a participação numa feira, tudo isto é muito caro e quando os resultados não aparecem de forma muito breve, as pessoas começam a desacreditar porque não vêem o retorno desse investimento. Mas há que acreditar e há que perceber que o mundo dos vinhos é mesmo assim. Por norma, ao final de dois, três anos desde início de atividade é que começam a aparecer de forma consistente os primeiros contactos e as pessoas têm que saber isto. Não podem pensar que no final da primeira viagem ou na primeira feira vão ter as suas encomendas de vinhos. Não é assim que acontece. E quem não estiver preparado para isto, às vezes apanha surpresas desagradáveis. Há que estar preparado e informado para isso. O setor tem grandes potencialidades. Eu diria que o nosso maior potencial, além da nossa localização, em termos de globo, cada região de Portugal é tão diferente da outra região que está ao lado. Portugal é um país tão pequeno e esse acaba por ser o nosso potencial. Acima de tudo nós temos um património vitícola, temos uma quantidade tão grande de castas portuguesas, castas autóctones, que mais ninguém tem. Eu diria que se nós trabalharmos bem e se conseguirmos mostrar e divulgar bem, conseguimos ter produtos que mais ninguém tem. Se nós somos os únicos que temos estas castas, não nos conseguem imitar e mesmo que venham cá copiar, que venham buscar castas e que as plantem noutro lado, não têm as nossas condições naturais, nem de solo, nem de luz, nem da tal influência do oceano ou outro tipo de influências. Há uma palavra francesa que define isto que é terroir, que é a influência do solo, do próprio clima, da própria planta, que é para muitos, o mais importante na diferenciação. E nós temos essa diferenciação tão vincada que eu diria que é um erro crasso nós não a aproveitarmos. É claramente a forma mais fácil para os pequenos produtores, para as pequenas empresas se diferenciarem.
E sobre o teu projeto pessoal?
O meu projeto apareceu um bocado de surpresa. Uns produtores dos Montes, Alberto Fialho e Ascensão Rita, com quem eu já trabalhava desde 2004, há cerca de dois anos atrás vieram falar comigo porque estavam a ficar cansados e estavam sozinhos e a atividade, quer de produção de uvas, quer depois na parte de adega é muito exigente, quer em termos de tempo, que não era o problema deles, quer em termos físicos e eles chegaram à conclusão que já não tinham essa capacidade e perguntaram-me se eu tinha possibilidade de dar continuidade ao projeto. Eles não queriam ver o seu menino abandonado. Eu na altura achei que era um projeto interessante, já que a maior parte das coisas estavam feitas e bem feitas, a adega estava bem equipada e chegámos facilmente a um acordo de cavalheiros e assumi desde 2014 a parte das vinhas e a produção dos vinhos dos Montes e este ano estou a encher pela primeira vez os vinhos que fiz em 2014 e as perspetivas são muito boas. Há que ter alguma ressalva já que estou a falar do meu próprio vinho, mas acredito que vou conseguir mostrar aos consumidores um produto diferenciado e também com muita qualidade que é também o que a região precisa é é o que tenho que fazer. Também não posso correr certos riscos dado que as pessoas sabem que é a minha área de trabalho e as expetativas também são elevadas e eu tenho que tentar corresponder também por brio pessoal e profissional, tenho que mostrar que é possível fazer coisas diferentes, mas com muita qualidade. Independentemente de encher 500 ou 5.000 garrafas, aquilo que eu tenho de ter como garantia é que, quando houver a decisão de fazer o enchimento do vinho, o vinho tem que ter muita qualidade. Basicamente é isso que eu espero que aconteça e que no final deste ano vamos ter oportunidade de provar os vinhos feitos por mim nos Montes.
Qual a ligação entre os Vinhos e a Música?
Por incrível que pareça, comecei muito mais novo na música dos que nos vinhos. Este ano faz 25 anos que eu comecei a tocar na Banda de Óbidos e a Orquestra Ligeira de Óbidos faz 15 anos, tudo em 2016. Sempre houve uma ligação muito estreita desde que estou ligado profissionalmente a esta área, entre os vinhos e a música. A música sempre por paixão e os vinhos por paixão e via profissional. Em 2014 a OLO foi tocar pela primeira vez ao Centro Cultural e Congressos de Caldas da Rainha e decidimos no final brindar o nosso público com uma prova de vinhos. Os produtores com quem eu trabalhava na altura dispuseram a ir fazer provas de vinhos para o público no final do concerto e correu tão bem que foi um modelo que pegou de estaca e desde então, este ano é o quarto ano que vamos tocar ao CCC e todos os anos temos tido um produtor novo, este ano vamos ter dois produtores novos no concerto e diria que o público neste momento vai ao concerto, não só para ouvir a orquestra mas também para provar vinhos, para ver as novidades dos produtores. Criámos aqui um binómio muito interessante entre o vinho e a música que eu diria que de forma natural correu muito bem está a ter muito boa aceitação e bastante sucesso e eu acredito que, quer na música quer no vinho, que só vivendo as coisas de forma muito apaixonada e com grande dedicação é que as coisas podem correr bem, apesar de a música não ser a minha via profissional, tenho exatamente a mesma dedicação que tenho aos vinhos, e não concebo a coisa de outra forma. Talvez ainda não vá apresentar o meu vinho neste concerto. Os vinhos é que vão mandar. Os vinhos após serem engarrafados, precisam de um tempo de estágio em garrafa até ficarem novamente prontos. Há um processo antes do enchimento que é a filtração, que os marca muito pela negativa e depois os vinhos precisam de algum tempo para recuperar as características que tinham antes da filtração. Isso só é sabido através de provas e há vinhos que rapidamente recuperam e há vinhos que demoram mesmo muito tempo a recuperar após a filtração. Agora vou provando os vinhos e, se na altura eu achar que estão em condições, terei todo o prazer de o apresentar no concerto da orquestra no dia 27 de novembro. Isso seria juntar o útil ao agradável, mas não prometo para não falhar.