Parlatório. Revisitando o Mosteiro de Alcobaça

Antes de subirmos para o dormitório, façamos uma pausa, aqui, no parlatório. Uma sala, como vêem, de pequenas dimensões e que, comparada com as outras, mais parece ser um simples corredor.

Nos mosteiros cistercienses não havia barulho, o silêncio era quase absoluto, a não ser, lá fora, nos estaleiros. Mas mesmo ali, ouvia-se apenas o ruído das ferramentas ou das máquinas hidráulicas, quando estas estavam a funcionar – o que espantava muito os hóspedes, a primeira vez que entravam no Mosteiro.

O silêncio! Ouviam-se as moscas, as abelhas, os pombos, as aves de rapina, pouco mais…

O silêncio é uma das primeiras exigências de São Bento na sua Regra. Serve para manter a atmosfera de recolhimento própria de uma casa de Deus, e serve também para preservar nela a boa ordem, afastando os riscos de promiscuidade. Imaginem o que seria a vida, numa comunidade de cem, duzentos, trezentos monges, que vivem juntos em permanência, dia e noite, se não houvesse entre eles esta distância que o silêncio ajuda a manter. Tornar-se-ia, rapidamente, num pandemónio. É também isso que o silêncio permite evitar.

Havia, no entanto, um local onde os monges podiam falar entre si, quando era absolutamente necessário, e em voz baixa, e era aqui, no parlatório ou “locutório” (auditorium, em latim), entre a entrada da sala dos Monges e a da sala do Capítulo.

Quando um monge precisava de falar com o abade, ou com o prior, era aqui que o fazia. Fora os atos regulares, não se falava nas salas comuns, nem nos corredores, nem no claustro (daí, aliás, o nome de “claustro do Silêncio” pelo qual ficou conhecido).

Fora do parlatório, quando dois monges precisavam, assim de repente, de comunicar, faziam-no rapidamente, por meio de sinais codificados, com as mãos, um pouco à maneira dos surdos-mudos.

Um grande investigador da produção literária do mosteiro, o padre jesuíta Mário Martins, publicou, nos anos 50 do passado século, um estudo intitulado Livros de Sinais dos Cistercienses Portugueses. É uma espécie de léxico, que indica, através de pequenas descrições, a posição dos dedos nos lábios, no nariz, nos ouvidos, nas sobrancelhas, na testa, etc., conforme o que se queria expressar. Havia um sinal para cada coisa.

O uso destes sinais – os mesmos em toda a Ordem – desapareceu há poucos anos, depois do concílio Vaticano II (1962-1965), como tantas outras coisas que vinham de trás, havia tantos séculos. Mas, na minha juventude, em França, os Cistercienses que frequentei continuavam a comunicar entre si, no dia a dia, por estes sinais, como sempre tinham feito – “para escusar palavras”, como diziam os antigos.

Pendurada na parede, à entrada do parlatório, existia uma pequena caixa de madeira, caixa de ressonância que se tocava para chamar a comunidade quando um monge entrava nos transes da agonia.

Daí o seu nome de “tabuleta dos mortos”. Era uma espécie de tympanum sem corda, de que subsistem, hoje em dia, pouquíssimos exemplares, devido à sua fragilidade.

Os cronistas do mosteiro referem que, quando morreu Frei Francisco de Santa Clara, abade particularmente venerado dos inícios do século XVII, a tabuleta pôs-se a soar sem que ninguém a tocasse… Pode-se pensar que quem a tocava era provavelmente um anjo… Os anjos sempre estiveram – e continuam a estar, graças a Deus – muito presentes na vida monástica, há tantos exemplos disso!

Fonte: Gérard Leroux (2017), “Uma visita ao Mosteiro de Alcobaça”

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