Estamos soterradas há mais de 40 anos. A casa que fomos a poucos lembra. Era na Estrada de Benedita para Alcobaça, perto onde fica o café A Lenda.

Era uma casa branca, fábrica de cutelarias marca SICUL – Sociedade Industrial de Cutelarias, Lda. De largueza espairecida à frente, de pinhal abrigada atrás. Janelas de vidros em caixilhos de madeira faziam-na bonita. O dono de Lisboa, consta ter sido o financiador e o da Benedita tinha experiência. Era José, um dos filhos da D. Raquel, irmã do etnógrafo José Diogo Ribeiro, de Turquel, casada na Benedita com António Pedro de Almeida. José iniciou no pátio da sua casa, onde mais tarde foi o Centro de Saúde da Benedita, uma oficina de navalhas. Ainda há pouco tempo se via nessas paredes ferrugem preta da forja, onde os irmãos Caiados, vindos de Lisboa com o Medalha, o do 1.º carro de praça, foram navalheiros. E que navalheiros!

Faziam de tudo em ferro, até os números para se marcarem os pares de calçado! Eram muito habilidosos e o negócio rendia. José resolveu fazer sociedade para criar uma fábrica e instalou-a isolada a caminho de Alcobaça. Éramos nós, a SICUL, que encerrou por volta de 1950. Deixámos de ouvir os martelos nas bigornas e de respirar o fumo do carvão de pedra na ventoinha e forja. Por uns tempos, albergámos récitas dos jovens. Depois instalou-se aqui uma serração de madeira. Voltaram outros ruídos. Novas maquinarias e novos odores que pioraram com uma espécie de pecuária aqui havida pouco tempo, devido a uma moléstia. Por fim, melhores dias chegaram.

Conhecemos um artista visionário e uma sociedade de cerâmica inovadora. Empregou raparigas e rapazes que davam mãos à sua criatividade. Nesta casa concebeu a famosa fábrica CERAMEX, registada em 1973. Também foi de pouca duração, mas felizmente aqui a nossa história não é esquecida. Esses últimos tempos podem ler-se no brilhante livro do historiador caldense João B. Serra ‘Artista à procura da sua história: Luís Ferreira da Silva’.