Se as pedras falassem…

Lúcia Serralheiro
Terra Mágica das Lendas

Nós somos das poucas pedras de uma casa de 1.º andar na Benedita no séc. XX e ainda nem estamos todas soterradas. Vantagem nossa. Ouvidos à superfície, refrescam conversas mais profundas. Quem por nós passa não nos vê porque o restolhado de verdura de campânulas azuis, que se despedem do verão nos embelezam. É bonito! Donde a rua 20 de dezembro de 1532 se alarga, miramos o velho poço do largo e o vazio da escola primária na sede da freguesia, que fora construída para ‘Casa do Passal’. Fazemos esquina com a rua da Serradinha onde se veem restos do muro que vedava terrenos da nossa casa.

O piso da estrada subiu após demolição da igreja velha do outro lado… Éramos de uma boa casa. Seu dono, o padre Joaquim António do Carmo, ia de mula para Turquel freguesia que também paroquiava, mas quando foi mudado para Tomar, albergamos Luís Medalha que na arribana onde havia o estabulo da mula fez uma oficina de navalhas onde empregou os irmãos Colaço ou Caiados. Eram as cutelarias de facas de sapateiro Lume. Só mais tarde esses navalheiros foram contratados para trabalharem na oficina de José Ribeiro Guerra de Almeida, filho de José Ribeiro de Almeida e de Ana Guerra que se fez no pátio da casa de seus pais. Nós, pedras dessa casa doutros tempos, revemos outros residentes: o Padre Caetano, a família Baltazar com a sua alfaiataria, a marcenaria de José Mateus, a Junta de Freguesia, um jovem casal e por último as professoras Maria Alzira e Maria Odete, de triste memória, que durante décadas ensinaram gerações de beneditenses à força de reguadas. Tomamos a liberdade de corrigir as pedras anteriores.

Foi Artur, o mais velho desses irmãos Caiados, que acompanhou a Lisboa o filho de José Almeida para comprar maquinaria para o fabrico de cutelarias, que ele marcava com as suas iniciais JAG e uma girafa. Documentos escritos o provam como os publicados nos Cadernos Culturais de F. Maurício. Nós, pedras também guardamos memórias e por isso nalguns sítios nos deitam abaixo, felizmente noutros não!

Lúcia Serralheiro
Terra Mágica das Lendas

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