Viver com uma guerra no horizonte

José Alberto Vasco
Escritor

Ser um rapaz que entrava em 1974 com 18 anos de idade era muito complicado para qualquer jovem português, numa época em que Portugal se envolvera numa mortífera guerra colonial com várias frentes de conflito. Estudasse ou trabalhasse, o inquietante horizonte era o mesmo, numa época em que o serviço militar era obrigatório e apenas implacáveis razões de saúde permitiam evitá-lo, bem longe dos tempos da nossa agora vigente democracia e de possibilidades de denegação legal como a objeção de consciência. Em tempos de ditadura e hostilidade política compulsiva ao Estado de Direito e às suas fundamentações, o panorama para esse mancebo vinculava-se coercivamente ao cumprimento do serviço militar obrigatório, tendo como alternativa mais lógica a deserção, com os inerentes problemas legais e vivenciais que essa atitude envolvia a quem por ela optasse.
A guerra colonial, que os movimentos de libertação do ultramar africano logicamente apelidaram de guerra da independência, resultou de séculos de discutível ocupação portuguesa em países como Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, tendo-se iniciado em 4 de fevereiro de 1961, quando um batalhão afeto ao MPLA atacou em Luanda instituições locais como a Casa de Reclusão Militar, a Cadeia da 7ª Esquadra da Polícia, a sede dos CTT e a Emissora Nacional de Angola, seguido por um desmedido massacre perpetrado pela UPA, no norte de Angola, em 15 de março, que se tornou decisivo por ter despoletado uma resposta imediata do governo do Estado Novo, liderado pelo insensato Oliveira Salazar, ordenando a mobilização nacional obrigatória de resposta com o envio de tropas para aquilo a que chamou de Zona Sublevada do Norte, correspondente aos distritos do Zaire, Uíje e Cuanza-Norte. Seguiram-se 13 anos de hediondo conflito, extensível aos outros países ocupados por Portugal em África, cujos movimentos de libertação também se organizaram militarmente nesse sentido, enfrentando idêntica resposta do impulsivo governo salazarista. Viver nesse contexto de previsível e quase inevitável participação forçada numa guerra truculenta e brutal era uma perturbante expetativa de futuro para um adolescente que vivia esse ciclo da sua vida, pendente da obrigatoriedade de ir combater numa guerra sanguinária com a qual muitos não concordavam, como era o meu caso, e para a qual foi aflitivamente mobilizada noventa por cento da população jovem masculina do país, com um funesto saldo final estimado em cerca de dez mil mortos e vinte mil inválidos entre as nossas tropas. Iniciei 1974 alarmado pelo desassossego e pela incerteza quanto ao meu destino, tendo logo no início do ano sido convocado para a inspeção militar obrigatória, que antecedia a temida convocatória. Cumpri esse desígnio, embora já robustecendo dúvidas sobre se iria ou não sujeitar-me à previsível mobilização, mas fui beneficiado pela ventura imensa de ter sido adiado o resultado daquela inspeção, pois, entretanto, um grupo de inesquecíveis e corajosos militares concretizou esse inolvidável ato revolucionário que foi o 25 de Abril, libertando Portugal e a sua juventude de um regime político cinzento, autoritário e retrógrado, sem capacidade política de evoluir num universo civilizado, registando como uma das conquistas essenciais daquela revolução o epílogo do redundante conflito bélico e civilizacional que durante mais de uma década atormentara Portugal.

José Alberto Vasco
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