A propósito de uma boneca

Fleming de Oliveira
Advogado

A minha neta mais nova é muito menineira, o que a família regista e aprecia, sem condescender com modernismos, no respeitante a género.
Quando, este ano, fez sete anos, disse à avó que gostava muito de ter uma boneca, do género daquela com que gosta de brincar quando vem a Alcobaça. Trata-se de uma idosa boneca de porcelana, que existe em minha casa estimada com desvelo, e já vem dos tempos da minha sogra.
Mas onde adquirir uma boneca destas, hoje em dia?
-Temos de fazer o gosto à nossa menina.
-Mas como?
-Ir ao estrangeiro, encomendar pela Internet?
Foi então que nos lembramos da Feira da Ladra. Boa ideia da minha mulher, a Ana Maria, que tem um fraquinho pelos netos. Há muitos anos, provavelmente desde o tempo em que fiz a tropa e a Messe de Oficiais era em Santa Clara, nunca mais tinha passado por lá. Está muito diferente, não faltam “chinesicesˮ e outras coisas sem gracinha alguma. Mas o certo é que sem dificuldade especial encontramos uma boneca mais ou menos conforme o pretendido, com um fantástico vestido cor-de-rosa e tranças. A boneca não seria propriamente de porcelana, mas de resina. Seja como for, a minha neta quando a viu, não mais a largou, dando gritinhos de satisfação, perante o gáudio de alguns turistas, entre os quais um casal de espanhóis que acabou por fazer também uma compra. O preço foi além do que tínhamos pensado (já não existem pechinchas…), mas gostos são gostos e a uma neta menineira há coisas irrecusáveis, que não se discutem, pelo que saímos reconfortados, pese embora mais aliviados da carteira.
Cumpre dizer que a Sofia (a Neta em questão) gostou tanto de lá ir, que nos obrigou a voltar entre em férias, para comprar umas sandálias para a boneca, que fique bem entendida esta ressalva, pois não é pirosa.
Os meus leitores sabem onde é e o que é a Feira da Ladra e apesar de descaracterizada, não desaconselho de todo uma vista para adquirir velharias, colecionismo, antiguidades e artesanato, algo original, kitsch ou vintage, ou só mesmo passear.
Embora não exista consenso sobre a origem do nome, a tese mais reconhecida/usual é que Ladra decorre de aí se venderem objetos roubados. Alguns autores defendem que a feira em tempos remotos, terá tido lugar na Ribeira Velha junto ao Tejo, e que por isso Ladra poderia ter origem no português antigo, lada, que significa margem do rio.
Nos tempos que correm, tem a particularidade de, a par dos feirantes habituais ou profissionais, ser um local procurado por alguns jovens para venderem o que já não usam ou velharias da família e, assim, conseguirem alguns cobres.
Fui consultar um amigo que trabalha na Câmara de Lisboa, que me forneceu alguns dados históricos, que compartilho.
A Feira da Ladra teve início no Chão da Feira, ao Castelo, provavelmente nos finais do século XIII, tendo depois passado para o Rossio. Em meados do século XVI, surgiu a primeira notícia da sua realização no Rossio, e, em 1610, a designação Feira da Ladra numa postura municipal. Depois do terramoto, instalou-se na Cotovia de Baixo (atual Praça da Alegria), estendendo-se pela Rua Ocidental do Passeio Público. Em 1823, foi transferida para o Campo de Santana, onde esteve cinco meses, voltou para a Praça da Alegria e, em 1835, para o Campo de Santana, onde se conservou até 1882, antes de passar para o Campo de Santa Clara.
A Feira da Ladra, cantada por Sérgio Godinho, acontece às terças feiras e aos sábados das 9h00 às 18h00 no Campo de Santa Clara, atrás do Mosteiro de São Vicente de Fora.

Fleming de Oliveira
Advogado

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