A propósito de um casamento

Fleming de Oliveira
Advogado

Assisti pela televisão, com alguma curiosidade admito, mas como se fosse um “reality show”, ao “casamento real”, celebrado no passado dia 7 de outubro. Não sou monárquico mas relevo, com respeito, o regime que vigorou em Portugal durante cerca de oito séculos.
Não foi este um casamento como muitos outros que se celebram na Basílica de Mafra ou no Mosteiro de Alcobaça.
A noiva era Francisca, filha de Duarte Pio, pretendente ao trono de Portugal (se voltássemos a ser monarquia), e esta cerimónia foi o que de mais semelhante aconteceu no género em Portugal desde o casamento de seus pais, em 1995.
Dois dias depois da celebração da implantação da República, uma parte da mesma República, foi a Mafra mostrar-se (tirar fotos para colocar no facebook, como uma feira de vaidades) e cumprir uma tradição, com que em regra não se identifica.
O PPM, onde até tenho dois ou três amigos, todavia não comemora o 5 de outubro de 1910, que considera “uma data menor e sem relevância na história portuguesa”. Os mais de dois mil convidados apresentaram-se horas antes da marcada para a missa, para se sentarem compenetradamente nos lugares protocolarmente destinados. A noiva chegou pelas 15h30, numa caleche (solução pechisbeque, na minha opinião…), acompanhada pelo pai, que se protegeu do Sol com um pitoresco, popular e informal panamá. Nas ruas por onde Francisca e o pai foram passando, postavam-se alguns mafrenses, enquanto se ouvia o tocar dos carrilhões. No Terreiro D. João V, frente ao monumento, juntaram-se umas centenas de populares/turistas a quem a noiva acenou com um ramo de flores brancas. D. Miguel I após o termo da Guerra Civil (1832 – 1834), e por força da Convenção de Évora Monte, seguiu para o exílio.
A 19 de dezembro de 1834, D. Maria II promulgou uma Carta de Lei, conhecida como “Lei do Banimento”, pela qual D. Miguel (então já destituído do estatuto de realeza), e todos os seus descendentes, ficariam para sempre obrigados a viver fora do território português e sem direitos de sucessão ao trono de Portugal. Casou em 1851 na Alemanha, com Dª. Adelaide de Löwenstein-Wertheim-Rosenberg, de quem teve um filho e seis filhas. Faleceu a 14 de novembro de 1866, e sendo sepultado no Convento dos Franciscanos de Engelberg, em Grossheubach, o corpo vindo para Lisboa, em 5 de abril de 1967, para ser trasladado juntamente com a consorte para o Panteão da Dinastia de Bragança. A Lei do Banimento foi reforçada com a promulgação da Constituição de 1838, na qual o artº. 98º. estipulou que a linha colateral do ex-infante Dom Miguel e todos os seus descendentes estão perpetuamente excluídos da sucessão. Esta Constituição revogada aquando da reinstituição da Carta Constitucional em 1842, não continha cláusula de exclusão da linha miguelista, absolutista, usurpadora.
Porém, ainda assim, D. Miguel e descendentes mantiveram-se no exílio até à segunda metade do século XX, reconhecendo que o reinado dos monarcas da Casa de Bragança (D. Maria II, D. Fernando II, D. Pedro V, D. Luís I, D. Carlos I e D. Manuel II) lhes retiraram os direitos de sucessão dinástica. A Lei do Banimento (do ramo miguelista, absolutista, usurpador) e a Lei da Proscrição da Família Bragança (Decreto de 15 de Outubro de 1910) vieram a ser revogadas pela Assembleia Nacional a 27 de maio de 1950, permitindo o regresso a território português dos descendentes de D. Miguel.
O pretendente e filhos são pois descendentes do ramo miguelista, que esteve banido de voltar a Portugal.
Recorde-se que de acordo com a atual versão da Constituição da República, “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”.
Alguns monárquicos, pretendem uma alteração do artº. 288º. da Constituição, de forma a tornar possível um referendo sobre República ou Monarquia, pois aquele prescreve que as leis de revisão constitucional terão de respeitar a forma republicana de governo.

Fleming de Oliveira
Advogado

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