“Não pode a História ignorar este homem notável” – assim concluía o Diário de Notícias o Editorial de 13 deste mês, depois de enumerar os aspetos essenciais do pontificado de Bento XVI.
Deixando para mais tarde outras considerações sobre o papa resignatário, fixemo-nos numa breve análise histórica sobre o acontecimento que colheu o mundo de surpresa. É a segunda vez, na História, que a Igreja tem dois papas vivos. A primeira, no século XV, foi por ocasião do Cisma do Ocidente, no pontificado de Urbano VI, cujo comportamento, violento e agressivo, levou alguns cardeais a eleger Roberto de Genebra, que tomou o nome de Clemente III. Perseguido pelas tropas pontifícias, Clemente III foi obrigado a fugir para Avinhão e aí se fixou, passando a Igreja a ter dois papas. Isto acontece, curiosamente, por uma altura em que Portugal disputava a sua independência, e a batalha de Aljubarrota dá-se quando a Espanha obedecia ao antipapa de Avinhão, Clemente III, e Portugal seguia o papa de Roma, Urbano VI.
Durante o Concílio de Constan-
ça (1414 a 1418) o papa de Roma, Gregório XII, apresentou a sua renúncia, em 1415, tendo o papa de Avinhão, Bento XIII, sido deposto por um grupo de cardeais. Pôde assim ser eleito Martinho V, em Roma.
Voltará agora a Igreja a ter dois pontífices (o próximo papa) e o resignatário (Bento XVI). Há por isso quem receie que setores mais conservadores da Igreja, e designadamente boa parte da cúria romana, possam levantar reticências a esta situação, recusando reconhecer o novo papa eleito enquanto Bento XVI for vivo. Seria um novo cisma, de todo inconveniente para a vida da Igreja, hipótese que não prevejo. Mas não excluo algumas reações, pois, como defende o teólogo Carreira das Neves “é natural que algumas extremas-direitas da Igreja Católica fiquem chocadas com esta iniciativa de Bento XVI”.
Em próximo artigo veremos com mais detalhe este gesto de coragem, lucidez e honestidade.
(Continua)