Têm corrido pelas redes sociais dois vídeos. Num deles, uma criança tira um automóvel de brinquedo do chão molhado, o outro vídeo é de um telejornal alarmista que usa parte do primeiro vídeo. No noticiário, o brinquedo em grande plano parece um carro verdadeiro, inundado até meia altura, e a vibração da água no chão molhado faz-nos imaginar uma torrente avassaladora. O jornalista descreve o drama como «um carro na Póvoa do Varzim ficou completamente submerso…».
Quem assistiu ao telejornal podia reparar que o carro não estava «completamente submerso», porque a água chegava só até meia altura da porta. Talvez ele se referisse ao que aconteceu a seguir à gravação, quando a água subiu até submergir completamente o veículo…
O mais divertido é comparar a notícia com o vídeo original. O brinquedo era muito pequeno, o charco teria talvez um centímetro de água. A câmara foca o carro e depois aparece a mão da criança, muito maior que o brinquedo, a levantar o carro do chão. Não estava a chover e a criança não teve de molhar os pés, bastou-lhe baixar-se e esticar o braço para pegar no carro.
O telejornal não mostrou a criança com o brinquedo na mão, nem a mão da criança a tirá-lo da água, mostrou simplesmente o carro meio-submerso, sugerindo um dilúvio assustador.
A história de um carro arrastado por uma chuva torrencial tem um escasso interesse em si, mas tem o mérito de nos alertar para as deficiências da informação. Com frequência, os jornalistas não têm controlo directo sobre as notícias que lhes chegam. Muitas vezes são imagens de países longínquos, cuja língua não conhecem, tiradas em lugares inacessíveis, por causa de catástrofes ou de guerras, ou simplesmente porque seria preciso estar no local à hora certa para ter presenciado aqueles acontecimentos. O pobre jornalista limita-se a seleccionar a imagem mais chocante, ou mais curiosa, sem capacidade para fazer muito mais.
A Igreja sofre frequentemente este ritmo sensacionalista. No início da presente assembleia sinodal, o Papa Francisco comentou com humor que a comunicação social conhece antecipadamente o tema dos sínodos. E exemplificou: o sínodo sobre a família iria tratar da Comunhão dos divorciados, o sínodo da Amazónia ia abrir o sacerdócio aos homens casados e, acrescentou, o actual sínodo vai decidir que as mulheres podem ser ordenadas padres. A realidade nunca condiz com as expectativas da comunicação social, mas o circo mediático não se perturba, sempre a criar novas histórias.
A realidade, segundo o Papa, é que o sínodo não serve para alterar a doutrina, mas para rezar e ouvir o Espírito Santo. Por isso, o horário da actual assembleia sinodal inclui muitos momentos de oração e visitas de oração, a várias catacumbas, aos sepulcros dos mártires, etc.
Há dois dias, numa entrevista à agência argentina Tesla, o Papa explicava as mudanças que são possíveis.
— «A Igreja tem de mudar, como mudou do Concílio até agora e como tem que continuar, na forma, no modo de propor uma verdade que não muda. Ou seja, a revelação de Jesus Cristo não muda, o dogma da Igreja não muda, mas cresce, desenvolve-se e sobe como a seiva de uma árvore. (…) As mudanças na Igreja dão-se neste curso de identidade da Igreja. (…) Por isso, o núcleo da sua mudança é essencialmente pastoral, sem renegar o essencial da Igreja».
Talvez algum dia a comunicação social descubra que esta fidelidade criativa, ao longo dos séculos, guiada pelo Espírito Santo, é muito mais interessante do que as expectativas inventadas, que nunca se cumprem.