As imagens religiosas da Benedita

João Luís Maurício
Professor de História aposentado

O David era mais conhecido por ser irmão da padeira Perpétua que vivia no Solão. Com uma avançada idade, fumador compulsivo, tinha uma ruralidade polida, meio filósofo, dono de um ténue anticlericalismo vindo dos tempos da Primeira República. Paradoxalmente, havia nele um certo espírito religioso que, por vezes, vinha à superfície, durante a oralidade, arte que ele dominava com facilidade. David tinha pouca instrução, mas essa realidade era compensada por uma inteligência fina e uma assertividade própria de quem já tinha vivido muito.

No dia 28 de outubro de 1958, o sacristão Silvestre tocou o sino, quando o crepúsculo apareceu. Foi um som alegre, anunciando a eleição do Papa João XXIII, após o conclave de quatro dias. Três anos depois, começou o Concílio Vaticano II, que terminou em 1965. Uma lufada de ar fresco estava a chegar à Igreja Universal. Lembro-me de uma homilia do Padre Serrazina que se revelou eufórico perante a nova realidade. Iriam terminar as monótonas missas em Latim, e acabar com a proliferação das imagens religiosas nos Templos, algumas criadas pela crença popular e não canonizadas pela Igreja Católica.
Logo após o encerramento do Concílio, encontrei o David. Achei-o muito feliz e elogiou espontaneamente o novo Papa. Tinha sabido das novidades pela leitura de “O Século” que comprara na loja do Almeida. De súbito, parou de fumar e disse-me. “Em 1933, havia na Igreja Velha dezasseis imagens de Santos” e enumerou-as uma a uma. Passados todos estes anos já não me lembro da lista completa, mas ainda me recordo do Sagrado Coração de Jesus.

E foi, então que o velho homem em jeito de pergunta indireta opinou: “Não acha que eram imagens a mais?” O que o David não sabia, nem eu, era que todos os oragos das capelas da freguesia estavam reproduzidos na Igreja Matriz – uma espécie de unidade paroquial. Na ingenuidade dos meus quinze anos, ainda nada conhecia sobre a iconografia cristã e que ela era uma forma de evangelização num tempo em que a maioria dos crentes não sabia ler. Era uma religiosidade espontânea, mas pouco esclarecida.

De facto, em mil novecentos e trinta e três, o contexto social e religioso era bem diferente dos tempos pós-conciliares. David não tinha essa visão histórica da caminhada que a igreja, lentamente, vinha fazendo ao longo dos tempos.

João Luís Maurício
Professor de História aposentado

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