Cistermúsica, o eclodir do século XXI

A edição deste ano do Cistermúsica tem ficado significativamente assinalada pela consolidação da música culta contemporânea na sua programação, embora lesada pelo pecado capital de ter ignorado o centenário do genial György Ligeti. Logo no seu primeiro fim-de-semana, o festival glorificou-se através da inigualável presença em palco de uma estrela de primeira grandeza a nível mundial, o exponencial trombonista Christian Lindberg, cuja caleidoscópica e insinuante Golden Eagle seduziu e convenceu, perante um auditório que se voltou a revelar inadequado, sentando o público em desconfortáveis cadeiras de plástico e franqueando as portas da noite a um frio glacial que afastou alguns espectadores ao intervalo. Julgo ser questionável que um festival desta estirpe insista em locais inapropriados para concertos, cedendo à tentação estatística em detrimento da opção qualitativa. E Alcobaça tem um exemplar cineteatro a aguardar novamente melhores dias…
Grandioso e eletrizante foi também o retorno da cantora Maria João ao Festival de Música de Alcobaça, agora através do hodierno projecto Ogre Electric, associando-se ao ator André Gago numa inusitada e distintiva encenação, em que mimetizam em canto o encanto da suculenta palavra de Shakespeare e ilustram em palco que a legítima Arte é eterna e irreversível. Arrasaram, literalmente, com o nuclear teclista João Farinha a reiterar-se no topo da nossa elite musical. Histórica será certamente a noite de encerramento, vincando o cumprimento de uma promessa feita pela organização do festival na brochura/ programa da sua primeira edição, em 1992, a de um dia a área pop/rock também vir a ter lugar na sua programação principal. O compromisso vai ser finalmente cumprido e registará a coerente presença em palco dos The Gift e do seu excelentíssimo Coral, indiscutível peça de filigrana da música culta contemporânea portuguesa em que a voz e a eletrónica epicamente se conjugam, revitalizando normalmente a ambiência mística e sonora das lendárias canções heróicas de Fernando Lopes-Graça uma convincente contextualização pop. Um verdadeiro luxo.
Venha então o Cistermúsica 2024, já com o bicentenário de Anton Bruckner a fazer olhinhos à direção artística do festival!…

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