Excessos e Virtudes do Processo Revolucionário

Manuel Pimentel
Bancário aposentado

Os fenómenos de mudança são vitais para qualquer sociedade. De uma forma mais suave ou mais intensa a sociedade precisa de renovar constantemente as suas estruturas e seus modos de funcionamento, as suas instituições de base e a sua cultura para corresponder aos anseios de melhoria das condições de vida das populações.
Mas, não raro e por variadas razões, sobretudo as tendências para a manutenção do status quo, do poder e das benesses das elites, a dinâmica das sociedades adormece, cristaliza e cria desconforto na maioria dos seus membros. Membros que vão acumulando tensões de discordância com as políticas e formas de governação o que normalmente conduz a uma explosão reivindicativa de mudança que se concretiza em processos sociais mais ou menos violentos.
Foi o caso português de abril de 1974.
Abril não tinha como não ser vantajoso. Havia tanto a melhorar que era difícil caminhar para pior. Senão, vejamos algumas áreas em que Portugal era conhecido pelo pior: rendimento per capita (na altura o mais baixo da Europa), relações e condições de trabalho muito deficientes e algumas mesmo degradantes, falta de proteção social na doença e na velhice, alta taxa de emigração, ausência de liberdades políticas, guerra colonial em várias frentes, ditadura enquadrada por uma pesada máquina burocrática.
Perante este diagnóstico sombrio, o País só podia caminhar para melhor. E assim foi. Com erros, com hesitações, com omissões, com alguma incompetência e irresponsabilidade, mas com uma enorme vontade de alterar o sistema político, económico e social, isto é, os padrões de vida e de bem-estar do povo.
Não teremos sido capazes, à guisa de outros países, de construir com menos desperdício de recursos, de tempo e de energia a nossa democracia. Mas os processos de mudança não são lineares e o ponto de partida era muito baixo e, sobretudo, desprovido de meios e de cultura.
O País não estava preparado para enfrentar processos tão impactantes como p.e. a descolonização, acolher e integrar mais de meio milhão de retornados não foi tarefa fácil; ajustar estruturas e indicadores no sentido de atingir os parâmetros de exigência para entrada na União Europeia; criar estruturas de apoio social tais como o Serviço Nacional de Saúde, foram tarefas muito complexas e difíceis de corporizar.
Por outro lado, instalou-se uma cultura de facilitismo e, nalgumas mentes, de que era possível viver sem trabalhar. Os valores do trabalho foram substituídos pelo laxismo e pelo oportunismo. O crescimento da economia abrandou. A indispensável qualificação da mão de obra, fator chave para uma subida da produtividade, ficou muito longe do desejável. O País passou a viver muito acima das suas possibilidades e o Estado, as empresas e as famílias começaram a endividar-se. Olhando para os níveis de vida de outros países da Europa, os portugueses facilmente interiorizaram esses padrões. Criou-se uma ilusão, do “tudo para todos”. Mas o País não tinha meios nem modos de alcançar esses padrões de vida tão rapidamente como se imaginou.
Ainda assim e malgrado as dificuldades, os desvios e as perdas de tempo o País mostrou uma flexibilidade e capacidade de adaptação notáveis.
O povo português, ao longo da sua história, sempre revelou capacidades insuspeitas para resistir, perseverar e vencer as dificuldades.
De facto, Portugal mudou muito nestes cinquenta anos que nos separam de Abril. Mas como diz António Barreto “Portugal fez muito, mudou muito, melhorou muito. Mas podia ter feito muito mais e melhor”.

Manuel Pimentel
Bancário aposentado

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