Lendas, factos e pessoas “cá da terra”

Fleming de Oliveira
Advogado

Não pretendo justificar-me, mas gosto de reafirmar que me assumo como republicano e democrata. Esta postura, que incorpora um sentimento que vai muito além da convicção ideológica, não impediu que há meses tivesse acompanhado com interesse o cerimonial associado à morte de Isabel II de Inglaterra, pelo peso das indumentárias e dos procedimentos, bem como pelo que a monarquia britânica ocupou na minha e nas nossas vidas pelo menos desde 1952, isto é, o ano em que esta subiu ao trono. Mesmo encarando a instituição monárquica como ultrapassada e contrária a valores que reputo fundamentais, nesse momento mostrar indiferença era algo que considero uma forma desconforme de marcar posição, ainda que só para mim.
No ano passado e no seguimento desse evento escrevi, para uma revista, um artigo (do qual tirei uma separata que, a entre outros, ofereci a’O ALCOA) sobre a memorável visita que em 1957 a jovem e graciosa Rainha Isabel II fez a Portugal e a Alcobaça. Embora tenha costados britânicos (mas há mais de 170 anos a viverem em Portugal), não esqueço que houve momentos em que fizeram aquilo que lhes interessava e muito bem apetecia, pese embora outros em que foi decisiva a sua participação.
Não sendo historiador por formação, sinto que enquanto a pena não me doer, estou habilitado a discernir em torno de um facto histórico e fazer a sua divulgação, não como um papagaio, salvo o respeito a este. Com essa divulgação nada pretensiosa ou muito menos académica, faço um pouco de História em moldes que reputo cuidadosos, embora eventualmente controversos, atento como trato os dados recolhidos. O meu campo de intervenção tem sido muito circunscrito à nossa região, pois entendo que nos assuntos deste nosso território tem cabimento alguém ligado ao gosto do património ou com ppinião sobre ele. Nesse sentido tenho feito publicações como o próximo “Uma janela com vista para a Rua da Memória”, a lançar no dia 29 de abril pelas 16h em Alfeizerão.
Ao terminar o curso de Direito, sabia qual seria em circunstâncias normais a minha saída profissional, o que felizmente se cumpriu, conjugada com alguma intervenção política em Alcobaça. Aqui, consegui conciliar o trabalho forense das 9h00 às 00h00, com um gostoso diletantismo de colaboração com o município, o PPD/PSD e o “nosso” O ALCOA.
Conhecer e dar a conhecer a História (a minha paixão desde os bancos da escola), ajuda ou deveria ajudar as pessoas a posicionarem-se no seu mundo. Neste tempo de intolerância, a História é por vezes utilizada de forma perniciosa, alimentada por nacionalismos radicais e populistas. Acredito que o papel do historiador passa por demonstrar como cada um é fruto de inúmeras e nem sempre identificáveis contradições. Cada um de nós tem no seu ADN, judeus, mouros, cristãos, católicos, protestantes, espanhóis, africanos, pessoas que não morreram descalças, que tiveram de lutar pela sobrevivência (mesmo económica) e um dos objetivos do seu sacrifício foi criar descendência. Cumpre ao historiador demonstrar tanto quanto possível essa mescla, afinal, do que somos feitos. A História em lugar de fomentar nacionalismos, deve ajudar a relevar e a demonstrar que somos a súmula de muitos, muitos contributos, a relativizar, rejeitando a exclusividade. As lendas com o que têm de folclore e sedutoras transmitem normalmente por via oral as cosmovisões, as mitologias, as explicações sobre como surgiu este ou aquele sítio, este ou outro prato, determinada devoção ou ritual, etc.. Algumas têm origem em acontecimentos verdadeiros, pese embora se saiba que quem conta um conto lhe acrescenta um ponto. Naquele meu livro, recorro às lendas da nossa Terra, umas mais outras menos conhecidas, mas sempre bonitas. Alguns dos pais da nossa História como os ilustres Herculano, Garrett ou Arnaldo Gama deram importância às lendas para o que fizeram pesquisas, para assim as registarem e divulgarem. A minha tarefa foi mais fácil, embora não tenham menos encanto que as daqueles. Gostaria muito de saber a opinião dos alcobacenses quando o livro sair.

Fleming de Oliveira
Advogado

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