Palcos há muitos

Afonso Luís
Bancário aposentado

A propósito do palco e altar da próxima Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e da sua controvérsia, lembro este caso curioso passado já há uns anos. Viajei de Zurique para Lisboa e, no mesmo avião, vinha uma comitiva governamental, liderada pelo então Primeiro-Ministro, Francisco Balsemão. Quando aterrámos em Lisboa, a hospedeira colocou uma corda na saída da classe turística, em que eu viajava, e pediu delicadamente: “os senhores passageiros desculpem, mas terão de esperar um pouco para dar prioridade de saída à primeira classe, porque vem ali o Primeiro-Ministro de Portugal.” Logo a meu lado, um indivíduo comentou: “Está a ver? Ele tem de vir em primeira classe…” Um tanto indignado, respondi: “Então o senhor acha que o Primeiro-Ministro do seu país, seja ele quem for, não deve viajar em primeira classe? Somos pobres, mas não sejamos miseráveis.” Já em terra, um dos membros da comitiva de Balsemão, o meu grande e velho amigo prof. Ernani Lopes, dirigiu-se-me e disse: “Ó Afonso, estavas muito zangado com aquele teu companheiro de viagem.” Contei-lhe o sucedido e o Ernani ripostou: “Pois é, nós, portugueses, somos uns miserabilistas.”
Agora discute-se acaloradamente o custo do palco onde o papa vai celebrar. “É muito caro, é um exagero…” alegam os miserabilistas. “Deve apurar-se os números custos/benefícios”, sustentam os defensores da ótica mercantilística. “Pois, a Igreja é muito rica, que pague as despesas, o país é pobre” defendem os não crentes. Há também, felizmente, quem tenha vistas largas e afirme, como o Presidenta da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, que a realização desta JMJ em Portugal é um acontecimento importantíssimo, de natureza espiritual. Por outro lado, o Presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, esclareceu que a principal estrutura do palco ficará para outros eventos futuros e, a ser assim, temos outra utilidade a justificar os atuais gastos. Aliás, Carlos Moedas assumiu há dias a coordenação do projeto, procurando pôr fim a tanta polémica. Do lado da Igreja portuguesa, duas figuras ponderadas e respeitadas, que muito admiro, o Padre Anselmo Borges e o Bispo D. Américo Aguiar, pronunciaram-se, salientando a modéstia do Papa Francisco (que não deixaria de sentir algum desconforto, com este caso) e considerando de facto exagerado o custo do altar e palco, se destinados apenas a serem utilizados por Francisco. Finalmente, temos aqui também um exemplo da tendência portuguesa de deixar tudo para a última hora, pois é evidente que o problema deveria ter sido resolvido em devido tempo, e não atingiria custos tão elevados. Claro que a decisão da Santa Sé, de convocar esta Jornada para Lisboa, já vem de há uns anos, esteve para ocorrer em 2022, e porquê só agora, a seis meses da sua realização, se discutem preços? Lamentável.
Conclusão: miserabilismo e atrasos são atributos tristes da cultura nacional. Já no improviso, somos mestres. Valha-nos isso.

Afonso Luís
Bancário aposentado

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