Prender preventivamente, mas não com o objetivo de arranjar provas

Fleming de Oliveira
Advogado

A prisão preventiva dos ditos famosos, muito especialmente nos processos de crime económico- -financeiro, muitas vezes com grande encenação, tem suscitado interpretações controversas nos meios de comunicação social e de que os juristas não se encontram excluídos. É preciso, por isso, compreender a natureza e finalidade da prisão preventiva. Como antigo Delegado do Procurador da República (início da década de 1970) e Advogado com mais de 40 anos de exercício, sedeado nesta comarca de Alcobaça (ora reformado), tenho uma opinião que pretendo exprimir, tendo em conta a minha formação e experiência. A prisão preventiva, dada a natureza excecional, não pode confundir-se com a prisão para o cumprimento de pena, não pode ser decretada, nem mantida, sempre que for possível substituí-la por medidas de coação menos gravosas para o arguido. Quanto à factualidade subjacente, tem como pressuposto indispensável a existência de fortes indícios da prática de crimes puníveis com prisão superior a cinco anos, com prisão superior a três anos nos casos de criminalidade violenta, altamente organizada ou terrorismo. Acresce a exigência de suspeita fundada sobre os perigos resultantes da manutenção em liberdade do presumível autor do crime, que representem uma ameaça para o normal e salutar desenvolvimento processual. Os perigos têm de ser objetivamente ponderados e expressos, tendo em nota a gravidade do caso, a destruição de provas, de contactos nocivos, de intimidação das testemunhas, de continuação da atividade criminosa, de fuga, de alarme social, em suma, de riscos para a eficácia da investigação em curso.
A prisão preventiva tem, em suma, assim se entende (e entendo) democrática e juridicamente, a finalidade de impedir que sejam colocados entraves à recolha das provas, e ao desenrolar da investigação. Visa proteger a aquisição e a conservação das provas, um fim associado à competente administração da justiça, cautelar obrigatoriamente.
A avaliação da bondade da prisão preventiva e do seu tempo, depende da evolução do processo desde a detenção até à sentença transitada em julgado. A avaliação dos perigos resultantes da manutenção da liberdade, decorre do quadro de perigosidade do arguido, não da sua culpa. Esclareça-se. Nada tem a ver com a presunção da inocência, princípio exclusivo da apreciação da prova e da culpa, na posterior fase do julgamento. A prisão com esta finalidade e sempre reduzida ao mínimo de tempo indispensável, obedece portanto a exigências taxativas de necessidade, adequação e proporcionalidade.
Longe vão os tempos da Inquisição (mais de 200 anos) ou da PIDE (50 anos), onde se prendia para averiguar, se prendia para arranjar forma de incriminar o sujeito, onde não havia escrúpulos em prender preventimente, em torturar e depois mandar embora, considerado, afinal e sem responsabilidade, que não havia matéria.
Parafraseando um jurista famoso e ainda estudado nos meus tempos de universitário em Coimbra com o Prof. Eduardo Correia, a prisão preventiva funciona como mera custódia até o cidadão ser condenado.

Fleming de Oliveira
Advogado

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

PRIMEIRA PÁGINA

PUBLICIDADE

Publicidade-donativos

NOTÍCIAS RECENTES

AGENDA CULTURAL

No data was found