Iniciámos o tempo da Quaresma, que nos convida a perscrutarmos a realidade à nossa volta e a desejarmos a conversão. Não será difícil de encontrar nela elementos que nos causam dano a nós mesmos, aos outros, à Criação de Deus em geral. Problemas que poderão ser de maior escala, como a guerra na Ucrânia ou no Médio Oriente, que teima em manter-se, ou a pobreza extrema que uma vasta população do nosso planeta enfrenta, ou os problemas ecológicos e ambientais, consequências de uma falta de cuidado para com a nossa casa comum. Cada um de nós enfrenta também as suas fragilidades. Conflitos com os nossos semelhantes, inimizades, excessos. No meio de tudo isto será possível mudar? Haverá margem para a esperança?
Uma passagem bíblica que sempre me ajudou a entender o dom de esperar é a do capítulo 37 do livro de Ezequiel. O profeta é conduzido por Deus a um vale cheio de ossos ressequidos. Não existe ali qualquer sinal de vida. Entretanto, Deus volta-se para o seu servo e ordena-lhe que profetize um renascimento. É então que se prova que a Deus nada é impossível. Os ossos começam a juntar-se. São envolvidos por carne e pele. Por fim, com o sopro divino restabelece-se o vigor de toda uma multidão. Esta palavra, para além de uma promessa de vitória sobre a morte, que também o é, revela-nos ainda o reavivar da esperança. O povo de Israel experimentava o exílio em Babilónia, longe da sua terra santa, um tempo de incerteza e de bloqueio. Por isso, foi essencial a intervenção profética, que ultrapassa todos os “velhos do Restelo” e anuncia a aurora de tempos novos. Com os esforços humanos associados aos divinos, algo de grandioso está para vir. A Quaresma surge-nos como a contemplação de um mundo de ossos ressequidos por toda a parte. Mas não há como baixar os braços. Queremos elevar a humanidade. Deus é o primeiro a sonhá-lo. A esperança é sem dúvida a última a morrer.