Tempos difíceis

José Maria André
Professor do I. S. Técnico

Os jornalistas fizeram a conta: ao dia de hoje, o Papa fez exatamente 100 intervenções a pedir a paz para a Ucrânia e a condenar a selvajaria desta invasão. O centésimo apelo recordou o “Holodomor”, que matou propositadamente à fome milhões de ucranianos, no tempo de Stalin. Os atuais russos, depois de arrasarem cidades inteiras, de matarem centenas de milhares de pessoas e de provocarem a fuga de muitos milhões de ucranianos, descobriram nas últimas semanas que sem electricidade não há abastecimento de água canalizada e estão a destruir uma a uma as centrais e a cortar as linhas elétricas, para matar os ucranianos à sede. Esta guerra alimenta-se de uma religiosidade tóxica, que invoca Deus como bandeira de conquista e de morte.

Por outras razões, a Igreja católica na Alemanha está a atravessar um momento difícil. Os bispos alemães queixam-se do êxodo maciço dos fiéis e muitos bispos confiaram no remédio que uns especialistas lhes sugeriram. Infelizmente, o remédio agravou o problema, dividiu a conferência episcopal alemã e suscitou a reação da Santa Sé. O Papa tinha-lhes escrito pessoalmente uma carta em 2019, mas foi ignorada. A reunião que agora tiveram com ele foi tensa, a julgar pelas declarações do Presidente da Conferência Episcopal aos jornalistas. No encontro do passado dia 18 de novembro, com os responsáveis da Santa Sé, as tensões emergiram claramente, a ponto de as intervenções críticas dos Cardeais Ladaria e Ouellet terem sido publicadas na página da internet do Vaticano em alemão.

O Cardeal Luis Ladaria (Prefeito do dicastério para a Doutrina da Fé) foi diplomático, sem ambiguidade. Sublinhou muito a unidade da Igreja e concordou que tinha havido uma perda de credibilidade dos bispos alemães, por causa dos casos de abuso sexual. Depois, fez cinco objeções ao documento apresentado.

Primeiro, o texto é confuso. Em segundo lugar, os abusos sexuais não são argumento para alterar a estrutura da Igreja. A terceira crítica é que o documento se afasta completamente da visão católica da sexualidade, ensinada por exemplo no Catecismo da Igreja Católica. A quarta objecção reside em não aceitar a verdade de que “a Igreja não tem autoridade para ordenar mulheres”, declarada por João Paulo II. O quinto reparo refere-se ao exercício do magistério episcopal, porque, como o Concílio Vaticano II lembrou, Jesus Cristo fundou a Igreja como uma comunidade baseada numa cabeça, que é Pedro, com todo o colégio episcopal. A intervenção do Cardeal Ouellet (Prefeito do dicastério para os Bispos) foi mais dura. Falou de cisma latente, embora ressalvando que não seria essa a intenção dos bispos alemães. Contudo, “é chocante que a agenda de um pequeno grupo de teólogos, de há algumas décadas atrás, tenha surgido, de repente, como a proposta fundamental do episcopado alemão: a abolição do celibato obrigatório, a ordenação dos ‘viri provati’, o acesso de mulheres ao ministério ordenado, a reavaliação moral da homossexualidade, a limitação estrutural e funcional do poder hierárquico, uma visão da sexualidade inspirada na ideologia do género, mudanças radicais do Catecismo da Igreja Católica, etc.”. Segundo este cardeal: “fica-se com a impressão de que o assunto muito sério dos casos de abuso foi aproveitado para promover ideias que não têm relação nenhuma com eles”. Para Ouellet, os bispos de todo o mundo “reagiram com assombro e preocupação [às propostas]: (…) porque a primeira missão do bispo é pregar em conformidade com o Magistério da Igreja e do Papa (cf. Vaticano II, ‘Lumen gentium’, 25)”. O terem ignorado os apelos do Papa Francisco na sua carta de Junho de 2019 “teve consequências significativas”. “O distanciamento do Magistério (…) levou a posições que contradizem o ensinamento de todos os Papas (…). A rejeição da declaração de João Paulo II acerca da impossibilidade de a Igreja Católica ordenar mulheres é espantosa”. “Há um problema de falta de fé no Magistério e um racionalismo descontrolado (…) que põem em causa este trabalho sinodal, que parece fortemente influenciado por grupos de interesse (…) e muitos consideram como uma iniciativa dececionante, destinada a falhar, por ter saltado dos carris”. Como sempre, a solução para tempos difíceis é rezar ao Deus da verdade, da justiça e da paz.

José Maria André
Professor do I. S. Técnico

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

PRIMEIRA PÁGINA

PUBLICIDADE

Publicidade-donativos

NOTÍCIAS RECENTES

AGENDA CULTURAL

No data was found