Uma guerra marcada pelo sangue e pelas lágrimas… longe de acabar

 

CarinasiteO dia 14 de Julho é o dia da festa nacional francesa, o dia da comemoração da tomada da bastilha em 1789, início da revolução francesa e é marcado por grandes celebrações por toda a franca, incluindo paradas militares e fogo-de-artifício. O fogo-de-artifício aqui em Nice é programa obrigatório de todas as famílias nicenses e infelizmente este ano fica marcado por esta tragédia que nos deixa a todos de coração partido e sem palavras.
Sou enfermeira no Hospital Pediátrico de Nice CHU-Lenval desde 2014, o hospital mais próximo da zona do atentado que recebeu 45 vítimas. 30 crianças, a maioria por traumatismos cranianos e/ou fraturas múltiplas, a mais nova de 6 meses e muitas delas com menos de 5 anos, duas das quais faleceram. Muitas das vítimas chegaram ao hospital pelos próprios meios. Uma das vítimas morreu nos braços da mãe, sem nos dar tempo de agir, sendo que as palavras desta senhora para a médica de serviço foram “ocupe-se das outras, eu fico bem”. E assim foi esta nossa noite, neste cenário de guerra de fardas brancas marcadas de sangue e lágrimas, de doentes inicialmente sem nome, nem idade.
Trabalho no serviço de cuidados intensivos e posso dizer que perante o que passaram os meus colegas nas urgências, estive protegida de muito sofrimento. A meu cuidado tive 2 vítimas, a primeira uma mulher de 31 anos que, infelizmente, não conseguimos salvar e a segunda uma menina de 5 anos. O mais difícil de gerir foi e será, sem dúvida, o carácter psicológico do acontecimento. Neste momento nos cuidados intensivos temos apenas uma criança de 9 anos, com prognóstico favorável, mas muito afetada psicologicamente, prevendo-se, a este nível, uma recuperação lenta e dolorosa. Fomos contactados pelo SAMU poucos minutos depois do final do fogo-de-artifício, inicialmente por um atropelamento na Promenade des Anglais, em frente ao hospital, por um camião que teria causado 13 vítimas, seguiram se depois os múltiplos telefonemas até à constatação de que seria um atentado e não um atropelamento, e posso dizer que desde a primeira chamada do SAMU ate as 3 da manhã não consegui parar para tentar realmente perceber o que se estava a passar, para tentar contactar o meu primo e todos os meus amigos que eu sabia que se encontravam no local para ver o fogo-de-artifício, nem para prevenir a minha família de que me encontrava bem.
Quando parei chorei e chorei, chorei de medo, chorei de pena, chorei porque são as nossas crianças, os nossos adultos, porque é a nossa cidade, porque podia ter sido alguém próximo de mim (felizmente consegui contactar toda a gente e perceber que apesar de estarem do outro lado da estrada e de a terem acabado de atravessar se encontravam bem) chorei porque é injusto, porque se tratam de inocentes e depois parei, parei porque o trabalho continuava e porque haviam vidas para salvar, vidas que precisavam de mim, que precisavam de nós. Hoje acordo e vejo outra Nice, outra Promenade des Anglais, vejo o medo, porque mesmo que tentemos não pensar, vemos as flores e todas as homenagens espalhadas pela rua, a minha rua, a minha Promenade, que em tempos foi um dos lugares mais bonitos e alegres que conheci e que hoje está marcada pelo pânico e pelo terror vividos, e que nos lembra como tudo pode mudar de um dia para o outro.
Paris, Munique, Bruxelas… Não posso dizer que não me tocou/toca, porque toca a todos, mas nada pode ser sentido, como quando é o nosso quotidiano que é tocado, a nossa cidade, as nossas pessoas, os nossos lugares habituais…
A mensagem final que tenho a passar é a mesma desta cidade, da senhora da padaria onde vou comprar o pão, do senhor do restaurante onde fui jantar, do condutor do autocarro que me leva ao trabalho… Aproveitem a vida, pois pode não haver um amanhã porque esta guerra parece estar longe de acabar!

Carina Borralho

En français:
Le 14 juillet c’est le jour de la fête national française, le jour de la commémoration de la prise de la Bastille, en 1789, début de la révolution française qui est marqué par des célébrations pour toute la France avec des parades militaires et du feu d’artifice. Le feu d’artifice ici à Nice c’est le programme obligatoire pour toutes les familles Niçoises et malheureusement cette année reste marqué par cette tragédie qui nous laisse à tous le coeur brisé et sans mots.
Je suis infirmière à l’Hopital Pédiatrique depuis 2014, l’hôpital le plus proche de la rue des attentats qui a admis 45 victimes. 30 enfants, la majorité pour des traumatismes crâniens et/ou des fractures multiples, la plus jeune âgée de 6 mois et beaucoup d’enfants de moins de 5 ans, deux d’entre eux sont décédés. Beaucoup de victimes sont arrivées par leurs propres moyens. Une des victimes est décédé aux urgences dans les bras de sa maman sans qu’on puisse agir et les mots de cette maman pour le médecin de garde ont étés “occupez-vous des autres, je resterai bien”. Et c’est ainsi que s’est passée notre nuit, dans ce scénario de guerre et de tenues blanches marqués de sang et de larmes, des patients initialement sans nom, ni âge.
Je travaille au service de réanimation et je peux dire que par rapport à mes collègues des urgences, j’étais protégée de beaucoup de souffrance. J’ai eu deux victimes en charge, la première une femme de 31 ans qui, malheureusement, nous n’avons pas réussi à sauver et la deuxième une petite de 5 ans. Le plus difficile à gérer a été et sera le caractère psychologique de l’événement. En ce moment en réanimation nous n’avons qu’ un enfant de 9ans, avec un pronostique favorable, mais fortement affecté psychologiquement, on peut prévoir, à ce niveau, une récupération lente et douloureuse.
On a était contacté par le SAMU quelques minutes après le feu d’artifice, au début pour un accident sur la Promenade des Anglais, en face de l’hôpital, un camion qui avait causé 13 victimes puis nous avons eu des appels multiples jusqu’à ce que l’on constate qu’il s’agissait d’un attentat et pas d’un accident et je peux vous dire que depuis l’appel du SAMU jusqu’à 3 heures du matin je n’ai pas réussi à m’arrêter pour essayer vraiment de comprendre ce qu’il s’était passé, pour essayer de contacter mon cousin et tous mes amies qui étaient sur place pour regarder le feu d’artifice, ni pour prévenir ma famille de que j’étais bien. Quand je me suis arrêtée j’ai pleuré et pleuré, j’ai pleuré de peur, j’ai pleuré de peine, j’ai pleuré car ce sont nos enfants, nos adultes, parce que c’est notre ville, parce qu’ ils pourraient être proches de moi ( heureusement j’ai réussi à contacter tout le monde et à percevoir que malgré le fait qu’ils venaient de traverser la Promenade, ils étaient bien), j’ai pleuré parce que c’était injuste, parce que c’était des innocents et après j’ai arrêté, j’ai arrêté car le travail continué et il y avait des vies a sauver, des vies qui avaient besoin de moi, de nous.
Aujourd’hui je me réveille et je vois un autre Nice, une autre promenade des Anglais, je vois la peur, car même si on essaye de pas y penser, on voit les fleures et toutes les hommages laissés dans la rue, ma rue, ma Promenade, qui a était dans le passé un des plus beau et joyeux lieu que je connaissais et qui aujourd’hui est marqué par la panique et par l’horreur vécus et qui nous rappelle comme tout peut changer d’un jour à l’autre.
Paris, Munique, Bruxelles..je ne peux pas dire que cela ne m’a pas touché car cela nous touche à tous, mais rien ne peut être ressenti aussi fort que lorsque cela touche notre quotidien, notre ville, nos gens, nos lieus habituels.
L’unique message que j’ai à passer, c’est le message de cette ville, celle de la dame de la boulangerie où j’achète le pain, du monsieur du restaurant où je suis allée dîner ce soir, du chauffeur de bus qui m’a amené au boulot.. Profitez de la vie, avoir un demain c’est pas sur, cette guerre est loin d’être finit.

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