Uma questão de idade

Nos meus tempos de rapaz, com 50 anos de idade já se era considerado “idoso”. A velhice, hoje em dia, é também uma construção social e a sociedade viu surgir dois momentos bem diversos, a adolescência (que se mistura por vezes com a infância e a segue), e a idade adulta. E essas duas décadas, por vezes três, que separam a cessação da atividade profissional do momento em que as insuficiências físicas e mentais eliminam a autonomia, fazem um “velho”.
Antigamente, a esperança de vida, tornava muito curto o período entre a cessação da atividade e a morte, que com frequência antecipava-se aquela. Atualmente, muitos milhares de portugueses reformados são “maduros”, sem estarem senis!
As evidências biológicas não são escamotáveis, envelhece-se muito cedo, e aos trinta e tal anos o organismo atinge a fase de maturidade. Toma-se consciência do declínio físico, através do uso de óculos para ler, de alguma surdez, a falta de fôlego ao subir escadas ou numa corridinha, tensão arterial elevada, a irritabilidade perante ninharias, enquanto que a degenerescência intelectual se traduz em “lapsos” da memória, primeiro relativamente a nomes próprios, depois ao passado recente, enquanto as recordações antigas permanecem nítidas. Rebuscando no baú das memórias, o “idoso” deixa de ser contemporâneo da sua própria história e este “laudator temporis” aborrece, quanto basta, os próximos, irritados com as suas manias “despropositadas”. Com a idade emergem, ou tornam-se mais intensos, o gosto pelo conforto, pelo sol, descanso ou requinte, a procura de notoriedade familiar ou social, bem como o desejo de reconhecimento do mérito. Prosélito da sua maneira de ser e viver, o “idoso” exaspera por aquilo que pelos outros é percebido ou entendido como uma indevida autossatisfação. A expressão popular “voltar à infância” é adequada, já que aos poucos se vão substituindo os alimentos sólidos por líquidos ou papas, o médico torna-se um pai e a enfermeira uma mãe. Daí uma sábia conclusão: “O velho é uma caricatura da criança, uma criança que caminha para futuro nenhum, a velhice é uma infância vazia, uma infância absurda”.

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