Cristina Maria e a arte de fazer do fado jazz

José Alberto Vasco
Escritor

A ideia de miscigenar tipologias musicais diferenciadas é remota e ficou histórica a mediática e fracassada tentativa de o concretizar levada a efeito em 1969 pela banda pop Deep Purple e pelo maestro e compositor clássico Malcolm Arnold, dirigindo a Royal Philharmonic Orchestra no Concerto For Group and Orchestra a que deu origem. Muitas outras experiências frustradas surgiram nesse contexto, enquadramento que se alterou decisivamente em 1981, quando Brian Eno e David Byrne materializaram determinantes esforços nesse sentido, concretizados no seminal disco My Life In The Bush of Ghosts.
Foi nesse intuito que há alguns meses se harmonizaram inventivamente a fadista Cristina Maria, há alguns anos residente no concelho de Alcobaça, nos laboriosos Montes, e o valadense Adelino Mota, maestro e diretor musical da Big Band Município da Nazaré. Assim surgiu o concerto Há Fado no Jazz, que em junho deste ano inaugurou com iniludível sucesso a 26.ª edição do consagrado Festival de Jazz de Valado dos Frades, num espetáculo realizado no Cineteatro da Nazaré. A ideia chave dos autores fundamentou-se nalguns dos mais eloquentes fados de Cristina Maria, que Adelino Mota e os seus devotados músicos e arranjadores contagiaram com a vibrante conotação jazz que os converteu num persuasivo exemplo de miscigenação musical, libertando a edificação dialética de sonoridades que evidencia a sua singularidade. O público que lotava a sala rendeu-se abertamente a tamanha arte, num coro de vivas e aplausos que permitiu logo presumir que esta produção não se ficaria por ali. Esse desígnio objetiva-se já neste mês de setembro, com concertos na Batalha, em Caldas da Rainha e em Ponte de Sôr, digressão que certamente vão se conterá por aí. Alcobaça continua a não dar a merecida atenção à carreira de Cristina Maria, uma nossa conterrânea por adoção que se continua a evidenciar entre os valores mais preponderantes e sérios do fado, a que nesta conjunção imprime uma identidade estética nunca anteriormente conseguida, glorificando-o nos feéricos e swingantes arranjos que honram a conhecida filiação ellingtoniana de Adelino Mota, seu cúmplice ideal neste fidedigno mimo musical. Entrará Alcobaça nesta dança?

José Alberto Vasco
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