Editorial. Extraordinários

Neste 2020, em cada edição, uma pessoa extraordinária em algum aspeto da sua vida, com ligação à nossa região.
Há mais de duas décadas, trabalhava na imprensa local e entrevistei Alice Guerra, professora e designer das empresas Raul da Bernarda e Spal. Mais do que pelo talento artístico que lhe era publicamente reconhecido, fiquei impressionada pela coragem doce e otimista com que relatava até as adversidades, pelo entusiasmo na educação artística dos alunos, pelas histórias que partilhou. Ficaram-me para sempre algumas declarações suas: “cada aluno tem a sua flor; peço sempre que desenhem uma flor no 1.º dia de aulas”; “fujo da amargura como o diabo foge da cruz”; “até a recente doença da minha mãe foi, ao mesmo tempo, uma oportunidade para lhe demonstrarmos o nosso amor”. As impressões que partilhamos falam muito de quem somos. As histórias de vida que Alice Guerra me contou atestam que é uma pessoa deslumbrante desde logo porque se deslumbra, extraordinária porque fala do belo e do extraordinário da vida. Por exemplo: “O meu avô materno ficou contrariado com o casamento dos meus pais. Mais tarde, perdeu o seu negócio e o meu pai decidiu ajudá-lo do seu bolso, mas para não ferir os seus sentimentos disse-lhe que lhe tinha tratado de uma pensão para comerciantes. Anos depois, o meu avô interpelou-o: ‘Lá os tipos do Governo nunca mais me aumentaram a pensão’, ao que o meu pai respondeu: ‘Tem razão, vou escrever uma carta a pedir-lhe um aumento’. No mês seguinte, o envelope que a minha mãe lhe entregou já levava o tal «aumento»”. Com a eutanásia em vias de ser aprovada «à socapa» no Parlamento, recordei-me de Alice Guerra e do seu pai: “O meu pai era uma pessoa especial; preparou-nos até para a sua morte: ‘estou na estação à espera que o comboio passe; se eu entrar antes de qualquer um dos meus filhos e dos meus netos, como é a ordem natural da vida, quando souberem da minha morte, vão dar graças a Deus à igreja mais próxima’. Assim fiz: eram cinco da manhã quando recebi a notícia e fui no meu carro para junto do mosteiro agradecer a Deus como ele nos tinha pedido”. As maçãs não caem longe da árvore: uma pessoa extraordinária com pais extraordinários!

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