Menos 404

Ana Caldeira
Diretora do jornal O ALCOA

Quem não está bem, muda-se!

Há anos atrás, o marido de uma amiga minha, que é médico aposentado, foi convidado a fazer um horário de 20 horas semanais no centro de saúde onde antes trabalhava, para suprir a presente falta de clínicos. Embora continue a exercer a profissão em instituições sociais, ele respondeu categoricamente: para o Estado não trabalharia nunca mais. Porquê? Nos últimos anos da sua carreira, passou horas e horas inúteis à espera que o sistema informático funcionasse para fazer a atualização do registo dos doentes. Nunca saía sem o fazer, mesmo ficando quase todos os dias pendurado, às vezes uma ou duas horas depois de ter acabado todas as consultas. Cumpriu sempre, mas nem pensar em voltar àquilo.

Há meses, li no Twitter o desespero de um médico: no seu hospital desde que um doente entrasse com Covid até, se tudo corresse mal, falecer, ele teria de aceder e preencher dados em nove sistemas informáticos diferentes do Ministério da Saúde. Ao que uma colega respondia que no seu hospital já eram só… sete. Será que podemos imaginar a frustração e o cansaço de quem trabalha nestas condições dia após dia, em que muitos estão completamente esgotados e que, para além dos cuidados aos doentes, gastam tempo completamente inútil à espera de poder registar dados numa plataforma que não responde… e depois preencher tudo de novo noutra plataforma e noutra plataforma… O mesmo serviço nacional de saúde, com a excelente liderança de Gouveia e Melo, deu uma resposta excelente na vacinação. Haverá falta de médicos, mas desde logo esta duplicação de programas, que funcionam muitas vezes a passo de caracol, põe a descoberto graves problemas de gestão e modernização. A par das cativações, de concursos e de processos de reparação de máquinas que se eternizam por causa da burocracia.

Desde maio, 404 médicos abandonaram o sistema público de saúde. Em 2020, foram 900. Mais um paraíso na terra… de que tantos fogem. Sobre isto, o que diz a ministra, o governo, o presidente da República e os políticos em geral? Nos média e na política, há tricas a mais e país a menos. Infelizmente.

Ana Caldeira
Diretora do jornal O ALCOA

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